O ministro Fernando Haddad comentou as ações do MEC para incluir os 2,4% das crianças de 7 a 14 anos que ainda estão fora da escola
Um em cada três alunos fora da escola tem necessidades especiais, diz ministro Haddad
Ana Okada
Rafael Targino
Karina Yamamoto
Em São Paulo
Apesar de a maioria de crianças com idades entre 7 e 14 anos estarem na escola, ainda há cerca de 680 mil delas sem acesso ao ensino -- que representam 2,4% da população nessa faixa etária. O levantamento é da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Em entrevista exclusiva ao UOL Educação, o ministro Fernando Haddad explicou que "pouco mais de um terço" desse grupo é composto por crianças com algum tipo de deficiência.
Além da questão da deficiência, o trabalho infantil e o acesso fluvial para estudantes de regiões distantes são "a fronteira que nos resta [superar] para chegar à universalização", na opinião de Haddad.
O ministro Fernando Haddad comentou as ações do MEC para incluir os 2,4% das crianças de 7 a 14 anos que ainda estão fora da escola
UOL Educação – O número de crianças fora da escola já se reduziu, mas segundo o Unicef, ainda são cerca de 680 mil. Qual é a estratégia para colocá-los nas salas de aula?
Fernando Haddad - É algo em torno disso, um pouco menos. Deve superar meio milhão. Mas são várias coisas a dizer. Primeiro lugar: não são as mesmas 500 mil crianças que estão fora da escola a cada Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE]. Algumas voltam pra escola, outras, por migração, saem da escola. É muito difícil haver uma criança brasileira de 7 a 14 anos hoje, se é que existe, que nunca foi à escola. O que existe é uma intermitência. Elas não frequentam a escola todos os anos letivos. No momento que o pesquisador foi lá, ela tinha evadido para o trabalho doméstico. Isso não significa que ela não esteve na escola no primeiro semestre, no ano anterior, ou que não estará no ano seguinte.
UOL Educação – Mas qual é o motivo que as mantém longe?
Haddad – Se você me perguntar ‘o senhor não consegue identificar um grupo social que realmente não tenha pisado na escola?’, eu digo: tem um grupo em que isso é verdade. São os alunos em idade escolar com deficiência. Existem pessoas com deficiência no Brasil que nunca foram abordadas e que a família entende que não deve mandar à escola por alguma razão.
UOL Educação – Elas não têm acesso a nenhum tipo de educação?
Haddad - Essa criança não está tampouco na escola especial. Ela não está no sistema escolar. Nós estamos pegando o cadastro do BPC [Beneficio de Prestação Continuada], que tem todos os beneficiários que recebem um salário mínimo, como as crianças com deficiência em idade escolar que estão fora da escola. Imagino que a maioria não tenha tentado ir pra escola e elas dão pouco mais de um terço do universo.
UOL Educação - Como as famílias justificam que as crianças não foram matriculadas?
Haddad - Cada uma alega uma coisa. Às vezes, a escola não está preparada para receber. O MEC tem que ir lá, botar uma sala de recursos multifuncionais, adequar rampas, capacitar um professor em libras, capacitar um professor em braile. É um trabalho estrutural, artesanal. É pegar a criança quase que uma a uma.
UOL Educação - E vai haver algum condicionamento, como benefício vinculado à frequencia?
Haddad - Não, porque pode ser injusto.
UOL Educação – O que mais mantém as crianças fora da escola?
Haddad - Uma delas, que não depende da escola, é o combate ao trabalho infantil. Um outro elemento, e não menos importante, é o [acesso ao] transporte fluvial. Uma questão de acesso físico mesmo. As crianças não suportam as distâncias [pois gastam muitas horas no trajeto de casa até a escola]. Uma hora, elas desistem. E não tínhamos uma única empresa no Brasil capaz de atender o Ministério da Educação no transporte na região norte. Quem teve que começar a fabricar barcos-escola para o MEC foi a Marinha. Nós já encomendamos 1.600, mas nossa necessidade é de 15.000 barcos, pelo menos. O tempo de viagem, em algumas localidades, cai a um terço. Aí você tem realmente chance de manter a criança na escola.
UOL Educação – Mas há crianças que moram ainda mais longe.
Haddad – Para isso, tem o barco grande, que ainda não está em produção. Ainda estamos pensando num barco de maiores proporções, onde haja atividades didáticas. Ele é muito mais caro, mais sofisticado, mas é para um grupo menor de crianças que tem que se deslocar muito, de locais onde também não é possível construir uma escola. Eu diria que esses três movimentos, a questão do trabalho infantil, do transporte fluvial e das crianças com deficiência são a fronteira que nos resta para chegar à universalização.
UOL Educação – E em mais quanto tempo pode se chegar à universalização?
Haddad - Nós dependemos aqui, para resolver, de outros ministérios [do Desenvolvimento Social, no caso das crianças com deficiência; da Defesa, para a articulação com a Marinha na produção dos barcos]. Por isso, é difícil dar a resposta [antes de terminar a articulação com as outras pastas].
UOL Educação – Como se pode acelerar esse processo?
Haddad - Na semana que vem, tenho uma reunião com o ministro Nelson Jobim para saber o que a Marinha precisa para tentar aumentar a produção dos barcos. Quanto tempo vamos levar para dobrar, triplicar a capacidade de produção da Marinha? Ou é possível induzir, pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], o setor privado a acordar para essa necessidade do poder publico? São muitos barcos pequenos para transportar 20 crianças. Às vezes, o estaleiro, por uma questão de demanda, olha para a rentabilidade e prefere construir iate.
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