sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ser Mãe de uma Criança Autista...

Ser Mãe de uma Criança Autista...

Marie José Schmitt

Membro do Grupo Europeu para o Emprego da Pessoa com Deficiência Mental

Habitualmente digo que não existe nenhuma forma agradável de viver esta
experiência tão difícil, como a de ser mãe de uma criança com deficiência. Também não existe nenhuma forma agradável de contar esta história, porque, como sabem, as pessoas são diferentes e a experiência de vida de cada um é única. Quando o meu filho nasceu fiquei muito orgulhosa desta terceira criança na família e o meu marido ainda ficou mais orgulhoso. Um rapaz depois de duas raparigas. Depois, quando ele tinha 18 meses, começaram a surgir as interrogações. Esta criança era tão parada, não queria comer, tinha brincadeiras tão pouco comuns, balançava-se o tempo inteiro e chorava quando ocorria alguma mudança no seu quotidiano. Não só chorava com raiva como também com uma profunda angústia que lentamente se instalou sobre nós. Haveria algo errado? Terei feito algo de errado? Nesse período nasceu um outro irmão.

Isto aconteceu há 35 anos atrás, e na altura existiam poucos conhecimentos acerca do autismo. Tive a sorte de ser ajudada por uma famosa psiquiatra francesa de crianças, Françoise Dolto. Disse-me sempre que "Ninguém sabe concretamente o que é o autismo. Mas, você, como mãe encontrará uma forma de comunicar com o seu filho, você ajudá-lo-á e eu tentarei ajudá-la a ajudá-lo". Esta relação pareceu-me ser bastante eficiente. O primeiro passo foi o de estruturar o quotidiano da criança. Os meus outros filhos foram para a escola e jardim de infância. Para ele parecia não haver nenhum lugar na Terra. Finalmente encontramos uma escola de educação especial, como as que existem em França, escolas essas fundadas por pais de crianças com deficiência mental. A vida continuou, com muitas dificuldades, lutando contra a anorexia, a fuga de casa, e, e, e...

Com a morte acidental do meu marido, senti de repente que teria de assumir a responsabilidade pela minha família. Em relação ao nosso filho autista algo teria que ser feito, porque o dia-a-dia da escola não respondia às suas necessidades, tendo a vida se tornado muito difícil para as suas irmãs e irmão. Com a ajuda de uma professora da escola de educação especial, com a ajuda de tantas outras pessoas, cada uma trazendo uma pequena pedra para a construção desta "joint venture" humana, criamos uma escola em regime de internato para crianças autistas. Esta foi a primeira experiência do gênero em França.

Compramos uma grande quinta, onde estas crianças freqüentavam as aulas e a formação profissional, e casas nas povoações circundantes, de forma a que pudessem viver em pequenos grupos de seis a oito crianças. Estava bastante orgulhosa com os resultados, e não esperava que dois novos obstáculos esperassem ao longo do meu lento caminho para a conscientização das principais e eternas dificuldades do meu filho. A primeira dificuldade tornou-se num acontecimento positivo: depois de alguns anos, o meu filho mostrou-me claramente que ele, digamos, "aceitava" voltar a casa por alguns fins-de-semana ou durante umas pequenas férias, mas que estava de fato feliz quando este período terminasse e poderia voltar para a quinta. Ele saltava do carro e corria para o grupo de jovens. Senti-me muito velha, abandonada no outro lado da estrada e um pouco mais culpada. Não deveria sentir-me feliz com a felicidade do meu filho por se encontrar bem no local que eu tinha criado para ele? Claro que sim, mas é mais difícil para nós vermos um filho tornar-se num adulto independente, quando, por outro lado, temos a sensação que ele é um bebê acabado de nascer. As nossas crianças com deficiência não conseguem dar a entender aos pais que se tornaram adultos.

Felizmente, não tive muito tempo para preocupar-me com os meus sentimentos, porque o nosso diretor chamou-me a atenção para o fato de que os jovens da nossa quinta, estavam a crescer rapidamente e por isso teríamos que pensar em criar algo mais adequado às suas necessidades. A decisão foi feita no sentido de ser criado um workshop, ou seja, um local onde estes jovens adultos se pudessem tornar trabalhadores e terem um trabalho remunerado contribuindo para a segurança social e viver do dia-a-dia. Mais uma vez este também foi um passo difícil. Difícil externamente, porque tivemos que encontrar um local, dinheiro para comprá-lo e conseguir autorização do Estado. As autoridades acharam que a idéia de criar uma quinta com um restaurante era disparatada. Porém, esta dificuldade foi ultrapassada. Relativamente a minha dificuldade interna aceitei que tinha que desistir da esperança de que "mudará com o tempo". Que agora o meu filho se tornou um homem, mas um homem com autismo. Tive que alterar uma esperança irrealista por uma esperança humana, esta forma de nunca desistir a que eu chamo de "esperança milimétrica". Porque se de fato olharmos para as coisas, existe sempre uma esperança milimétrica algures. Apenas temos que encontrá-la, guardá-la num lugar remoto e seguro do nosso coração e, um milímetro adicionado a outro milímetro, quem sabe a distância que alcançará?

Posso dizer que até agora estou feliz por saber que o meu filho é um bom trabalhador na quinta. Ordenha as cabras, faz queijos - estão a tentar criar um novo tipo de queijo - e quando termina o seu horário de trabalho, vive calmamente com os seus colegas, passa tempos agradáveis, e como todos nós, também desagradáveis. Trabalho doméstico, cozinhar, lavar, ouvir música, e aos domingos ir à praia ou fazer uma viagem até às montanhas, todas estas coisas que fazem parte da vida são agora possíveis para ele, com a ajuda de outras pessoas.

Mas o que me torna realmente feliz, é o fato de o meu filho ter amizades verdadeiras com alguns dos colegas, momentos de alegria e tristeza partilhadas, assim como momentos de divertimento e momentos em que mostra que sabe o que é ser uma pessoa com deficiência e aceita a sua vida tal como ela é, como um homem de coragem.

Então, eu sinto-me muito orgulhosa dele, perguntando-lhe "Como é que tu consegues? Sabes que eu não consigo." Como ele não consegue exprimir-se, apenas olha para baixo em direção a mim (ele é muito bonito), sorrindo calorosamente. E persiste com um raio de sol para adicionar a minha esperança milimétrica.

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