sexta-feira, 2 de julho de 2010

Problemas Sociais : Conhecendo Emoções e Desenvolvendo Habilidades

Problemas Sociais : Conhecendo Emoções
e Desenvolvendo Habilidades
 
Temple Gradin, Ph.D
Professora Assistente
Universidade Estadual de Colorado, EUA
Fevereiro de 1999
Tradução de Mônica Accioly 
Eu não sabia que os movimentos dos olhos tinham significado até ler “Mindblindness” (Cegueira Mental) de Baron-Cohen. Eu não fazia a menor idéia de que as pessoas comunicavam sentimentos pelos olhos. Eu também não sabia que as pessoas percebem todos os pequenos sinais emocionais que transmitem sentimentos. Minha compreensão sobre isto tornou-se mais clara depois que eu li “O Erro de Descartes” de Antonio Damasio. Neste livro eu aprendi que, na maioria das pessoas, parece que as informações registradas na memória estão ligadas às emoções. Eu tenho emoções que podem ser muito fortes quando as vivo, mas as informações armazenadas na memória, podem ser escaneadas voluntariamente e sem emoções. É como navegar na internet mentalmente.
Tenho aprendido as relações sociais unicamente pelo intelecto e pelo uso das minhas habilidades visuais. Todos os meus pensamentos são em imagens, como videotapes na minha imaginação. Quando eu me deparo como uma situação social nova, eu posso escanear meu banco de informações procurando por uma situação similar que eu possa usar como modelo para me guiar naquela nova situação. Meu banco de dados de habilidades sociais também está repleto de novos artigos sobre relações diplomáticas entre países e um arquivo de experiências anteriores. Eu uso estes cenários para me guiar em situações diferentes. Eu coloco o videotape na minha imaginação, de todas as maneiras que me ajudem a prever como a pessoa vai reagir. Tudo é feito usando a minha mente visual. Eu tenho muita dificuldade com situações sociais novas quando eu não consigo me lembrar de nenhuma similar que eu possa usar como exemplo.
Eu passo facilmente num teste de Teoria da Mente porque eu visualizo o que a outra pessoa está vendo. Por exemplo, se João vê a Sally colocando um doce num pote e depois, quando João sai da sala, Sally come o doce e coloca uma caneta no pote, eu sei que João espera encontrar o doce porque ele não viu o doce ser substituído pela caneta. Eu tenho dificuldade com problemas mais complexos de Teoria da Mente, que envolvam duas ou três pessoas fazendo coisas diferentes. A minha memória imediata não é boa e eu não memorizo uma seqüência de eventos. Este é o meu problema. Dificuldade de memória imediata, memória de trabalho, não deve ser confundida com falta de compreensão da Teoria da Mente. Eu posso resolver problemas mais complexos de Teoria da Mente se me permitirem anotar a seqüência de eventos. Através dos anos, eu construí na memória uma tremenda biblioteca de experiências vividas, TV, filmes e jornais, para que me poupem dos embaraços sociais causados pelo meu autismo. Eu uso esta biblioteca para me guiar nos processos de decisões de uma maneira totalmente lógica. Eu aprendi com a experiência que determinados comportamentos deixam as pessoas zangadas. Antigamente minhas decisões lógicas estavam freqüentemente erradas porque se baseavam em dados insuficientes. Hoje, elas são melhores porque a minha memória contém mais informações. Usando a minha habilidade de visualização, eu posso observar a mim mesma a uma distância. Eu chamo isto de meu “cantinho cientista”, como se eu fosse um passarinho olhando meu próprio comportamento lá de cima . Esta é também a idéia de outras pessoas autistas. Dr. Asperger observou que as crianças autistas se observam constantemente. Elas se vêem como objetos de interesse.
De acordo com Dr. Damasio , as pessoas que perdem as emoções depois de derrames, freqüentemente fazem escolhas sociais e financeiras desastrosas. Estes pacientes têm pensamentos normais e respondem normalmente se questionados sobre situações sociais hipotéticas. Mas o desempenho deles despenca quando têm que tomar decisões rápidas sem pistas emocionais. É como se de repente eles se tornassem autistas. Eu lido melhor do que estes pacientes em algumas situações, porque eu nunca dependi de pistas emocionais. Aos 51 anos, eu tenho um banco de dados vastíssimo, mas levei anos para construir a minha biblioteca de experiências e aprender a me comportar adequadamente. Até há pouco tempo eu não sabia que a maioria das pessoas depende das pistas emocionais.
Hoje em dia eu sei como agir em diferentes situações. Eu posso pesquisar rapidamente minha memória ROM feita de videotapes, e tomar uma decisão rápida. É como navegar a internet mentalmente. Fazer isto visualmente é muito mais fácil que pensar com palavras. Eu tento evitar situações que me possam causar problemas. Quando criança, era impossível perceber as pistas sociais. Quando meus pais estavam pensando em se divorciar, minha irmã sentiu a tensão, mas eu não, porque os sinais eram sutis. Meus pais nunca brigaram na nossa frente. Os sinais de pressão emocional , estressaram a minha irmã, mas eu não percebi nada. Como meus pais não demonstravam raiva um pelo outro, eu não senti a tensão.
As interações sociais se complicam ainda mais pelos problemas fisiológicos da focalização da atenção. Como as pessoas autistas precisam de muito mais tempo para trocar o foco da atenção de um estímulo auditivo para um visual, elas tem mais dificuldade de acompanhar as mudanças rápidas e complexas das interações socias. Estes problemas podem ser parte da razão pela qual Jack, um homem com autismo, disse “Quando eu interajo muito com as pessoas, eu fico nervoso e inconfortável”. As habilidades sociais podem ser ensinadas com a ajuda de videotapes. Aprendi gradualmente a melhorar minha fala em público assistindo fitas, porque percebi que existem pistas facilmente identificáveis, como folhear papéis, indicativo de cansaço. É um processo de aprendizado longo e contínuo. Não há atalhos inesperados.
Imaginar como interagir socialmente foi muito mais difícil do que resolver um problema de engenharia. Foi relativamente fácil programar a minha memória visual com os conhecimentos sobre as estruturas dos abatedouros e todo o processo envolvido. Recentemente eu participei de uma conferência onde um cientista social disse que os seres humanos não pensam como os computadores. Naquela noite, no jantar após a conferência, eu disse para a conferencista e seus amigos que os meus pensamentos se parecem com os padrões da computação, tanto que eu posso explicar o processo dos meus pensamentos, passo a passo. Fiquei surpresa quando ela me contou que é incapaz de descrever como seus pensamentos e emoções estão ligados. Disse que quando pensa em algo, as informações factuais e as emoções estão unidas, num todo. Finalmente compreendi porquê tantas pessoas permitem que as emoções distorçam os fatos. Minha mente sempre pode separar os dois. Mesmo quando estou triste, permaneço revendo os fatos várias vezes até chegar a uma conclusão lógica.
Através dos anos eu tenho aprendido a ter mais tato e ser mais diplomática. Em meu trabalho autônomo, ligado a engenharia de equipamentos para criações de animais, aprendi a nunca tomar a frente da pessoa que me contratou, a não ser que ela tenha me dado permissão. Aprendi com experiências passadas a evitar situações em que eu possa ser explorada e a “massagear” egos que possam sentir-se ameaçados. Para dominar este assunto, diplomacia, eu li sobre negociações internacionais no jornal Wall Street e em outras publicações, e os uso como modelos.
Sei que faltam algumas coisas na minha vida, mas eu tenho uma carreira de que gosto e que me ocupa 24 horas por dia. Ocupando a minha mente, não penso no que eu posso estar perdendo. As vezes, pais e profissionais se preocupam muito com a vida social do adulto autista. Eu faço contatos sociais através do meu trabalho. Se a pessoa desenvolver seus talentos, ela fará contato com pessoas que compartilhem seus interesses.


Desenvolvendo habilidades
Desenvolver as próprias habilidades é , na minha opinião, importantíssimo. Desenho, arte, mecânica de automóveis ou programação de computadores. Estas coisas vão propiciar uma carreira e satisfação intelectual. Minha vida não valeria a pena se eu não tivesse um trabalho que me satisfizesse intelectualmente. Minha carreira é minha vida. As vezes os profissionais que trabalham com as pessoas autistas ficam tão preocupadas com a vida pessoal delas e esquecem que esquecem de desenvolver as habilidades que propiciem satisfação intelectual.
Quando as crianças autistas de alto desempenho ou Asperger atingem o segundo grau, eles precisam que um professor os oriente a buscarem especialização em alguma área, como programação de computadores. Eu tive um excelente professor nesta época que me ensinou pesquisa científica. Computação é uma ótima área porque você pode ser esquisito. Um bom programador é reconhecido por sua habilidade. Conheço vários autistas que são programadores de sucesso.
Para compensar os déficits sociais, as pessoas autistas precisam ser eficientes a ponto de serem reconhecidos como brilhantes. Todos respeitam o talento. E os autistas precisam de mentores que sejam programadores, artistas, desenhistas, etc, que os ensinem seu trabalho. “Como encontrar estes mentores?”, freqüentemente me fazem esta pergunta. Nunca se sabe. Talvez na fila do supermercado. Eu encontrei um dos meus, quando conheci a esposa do seu agente de seguros , numa festa. Ela começou a conversar comigo porque gostou do bordado da minha camisa.
Como as pessoas autistas e Asperger são socialmente inaptas, elas precisam vender seu trabalho e não sua personalidade. Eu mostrava meu portfolio de fotos a possíveis clientes. Eu nunca ia ao departamento de recursos humanos. Eu ia direto aos engenheiros e pedia trabalho. O trabalho freelance é ótimo. Evita problemas sociais. Eu posso desenhar um projeto sem me envolver em situações socialmente difíceis. Já houve algumas histórias tristes sobre desenhista ou técnico autistas que foram promovidos a gerente. Foi um desastre que acabou com a pessoa autista sendo demitida ou se demitindo. Os empregadores têm que conhecer as limitações da pessoa autista. Excelentes técnicos, desenhistas, programadores, etc, podem perder seus empregos e quem sabe suas carreiras se forem promovidos a gerentes. Eles devem ser compensados com aumento de salário ou um novo computador.


Pecados do sistema
Desenvolvi este sistema de regras para guiar minhas interações sociais e meu comportamento.
? Coisas Muito Ruins – exemplos: assassinar, atear fogo, roubar, mentir em juízo sob
juramento, machucar pessoas. Todas as culturas proibem coisas más porque uma
sociedade organizada e civilizada não funciona se as pessoas roubarem ou
matarem.
? Regras de Cortesia – exemplos: não furar fila em cinemas ou no aeroporto; ter boas
maneiras à mesa; dizer “obrigado” e manter-se limpo. Estas coisas são importantes porque deixam as outras pessoas mais a vontade perto de você. Eu não gosto quando alguém não sabe se comportar durante uma refeição, então eu também tento ser educada. Fico aborrecida se alguém fura a minha frente numa fila, então eu também não faço isso.
? Ilegal Mas Não Ruim – exemplos: ultrapassar a velocidade na estrada e estacionamento proibido. No entanto, estacionar em local reservado para deficientes físicos é pior porque viola também normas de cortesia.
? Pecados do Sistema – exemplos: fumar maconha , passar dez anos na cadeia e comportar-se mal sexualmente. Pecados do Sistema são coisas cujas penas são tão severas que desafiam a razão. As vezes a pena para um mau comportamento sexual é pior do que matar alguém. As regras que governam o comportamento sexual são tão influenciados pela emoção , que eu não me arriscaria a discutir o assunto por medo de incorrer em outro Pecado do Sistema. As regras 1, 2 e 3 tendem a existir em todas as diferentes culturas, mas os Pecados do Sistema de uma cultura podem ser aceitos em uma outra cultura
Eu aprendi a nunca cometer um pecado do sistema. Esta é uma das razões pela qual escolhi permanecer solteira. Evita-se vários problemas. As pessoas autistas precisam aprender que certos comportamentos simplesmente não são tolerados. Não importa que você seja excelente no que faz, se você cometer um Pecado do Sistema, será despedido. Pessoas autistas e Asperger precisam entender que se eles quiserem conservar o emprego, elas não podem cometer os Pecados do Sistema. O entendimento social que é exigido é muito complexo. Tentar marcar um encontro com alguém do trabalho é muito arriscado. É melhor que seja com alguém de fora. As pessoas autistas que tem casamentos onde os interesses de trabalho são compartilhados pelo casal, são os mais bem sucedidos.

Conclusão
Eu enfatizo muito o trabalho porque eu vejo muitas pessoa autistas e Asperger sem trabalhos que os satisfaçam. O que dá sentido a minha vida é a minha profissão. Eu sou o que eu faço e penso, não o que eu sinto.
No ano passado houve uma inundação na minha universidade e os livros ficaram ensopados. Eu chorei muito. Eu fiquei muito triste com a perda dos livros. A minha tristeza era porque os pensamentos haviam morrido. Ninguém leria aqueles livros novamente. No entanto aconteceu que os livros puderam ser salvos através de secagem por congelamento. Para mim , o conhecimento é algo muito precioso e sua destruição é desastrosa. Usar meu intelecto para um trabalho útil que faça do mundo um lugar melhor é muito importante para mim. Conhecimento, na minha opinião é mais importante que emoção. 

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