sexta-feira, 2 de julho de 2010

Minha Experiência com o Autismo e como se relaciona com a Teoria da Mente

Minha Experiência com o Autismo
e como se relaciona com a Teoria da Mente
 
Boove, J.P. - fonte: http:www.genevacentre.org/html/bovee.html
Tradução de Mônica Accioly 

Eu sou especialista em Informação no Missouri Developmental Disabilities Resource Centre, estando nessa posição há quatro anos. ... Tenho trinta anos de idade e sempre fui autista. Devido a minha experiência com autismo, faço conferências sobre o autismo há doze anos.
A idéia da Teoria da Mente é de que as pessoas com autismo não pensam nem interpretam as situações da mesma forma que as outras pessoas .
...
Quando eu era criança (com cerca de quatro anos de idade) , eu não percebia nenhum outro ser humano além da minha mãe. Eu não brincava com as outras crianças nem parecia desejar tal coisa. Eu não possuía uma teoria da mente, nem qualquer outro tipo de teoria naquela época, e não pensava que existisse alguém além da minha mãe. Minha mãe era um objeto que me dava o que eu queria. Ela não era um ser humano com quem eu pudesse me relacionar.
Eu fazia também algo que mostra minha total falta de percepção das pessoas e de como elas sentem. Eu era um “corredor”. Um corredor é uma criança que você não consegue alcançar. Ninguém consegue ser suficientemente rápido para alcançá-la quando ela decola. Não adiantava minha mãe trancar as portas. Se ela “vacilasse” eu encontrava um jeito de escapar. Eu era este tipo de corredor. Eu corria para um bar , alguns quarteirões acima , onde havia mesas de bilhar e luzes coloridas diferentes . Eu me fixava nas bolas da mesa e nas luzes. Eu também corria para o meu parque predileto para balançar nos balanços e escorregar nos escorregadores. Havia dois parques próximos aonde nós vivíamos, mas este era o que eu gostava. A terceira coisa que eu gostava de fazer era correr para a universidade de Minnesota em Minneapolis e , andar nos elevadores para cima e para baixo. Mamãe ficava preocupada e apavorada que eu me perdesse ou machucasse. Ela e os amigos (ou a polícia) me encontravam. Eu voltava como se nada tivesse acontecido. Não percebia o medo que minha mãe sentia ou a sua tristeza.
...
Outra área que evidencia a minha cegueira mental , é que eu não fazia idéia do que era propriedade. Eu não sabia que havia um “eu” ou “meu”, então eu não me dava conta que havia coisas que eram minhas. Eu ganhava presentes no Natal e não fazia nada com eles. Minhas irmãs pegavam, brincavam, guardavam para elas, mas eu não tinha idéia do que fosse meu ou de outra pessoa. Nos restaurantes, se tivesse vontade, eu pegava as batatas fritas do prato de uma pessoa estranha. Eu não sabia que não podia fazer isto. Eu queria batata frita, então eu pegava. Isto não é aceito socialmente, mas eu não pensava nessas coisas naquela época.

Quando criança eu não me preocupava com o que as outras crianças pensavam de mim. Se eu quisesse fazer tal coisa eu fazia. Eu cantava no ônibus da escola tanto na ida quanto na volta. Meus irmãos e irmãs ficavam muito envergonhados de mim, mas eu nem notava como era estranho eu ficar cantando ali. Eu me sentia bem e passava o tempo. Eu ficava muito excitado olhando as gotas de chuva na janela e assistindo quem ganharia a corrida. As outras crianças achavam isso esquisito.
Ainda me faltava uma habilidade que as pessoas sem autismo aprendem muito bem quando crianças : eu não sabia mentir muito bem e ninguém acreditava nas minhas mentiras. Para saber mentir você precisa imaginar o que as outras pessoas esperam e criar uma história que agrade. Eu não tornava a minha mentira plausível ,e quando meus irmãos haviam feito alguma coisa de errado, meus pais sempre conseguiam a verdade de mim. Meus irmãos ficavam tristes e me batiam. Aprendi a não dizer a verdade não falando daquele assunto, mas não aprendi a mentir. Eu sou mais sincero que a maioria das pessoas que não tem autismo. Isto permite que as outras pessoas me façam de bôbo. Para dizer a verdade não sei quando as pessoas estão se aproveitando de mim.
...
A Teoria da Mente está muito presente na minha vida . Entretanto, cada pessoa tem um tipo diferente de teoria da mente. Eu tenho minha própria teoria, que é diferente das pessoas que não tem autismo. Comunicação é uma via de duas mãos, e é necessário duas pessoa para haver um diálogo. É preciso também que haja duas pessoas para estragar uma conversa. Nem todos os problemas que acontecem numa conversa são causados por pessoas com autismo. As pessoas sem autismo tem muito que aprender sobre a arte do diálogo com as pessoas que não conversam de outra maneira, seja de forma verbal, não verbal ou língua de sinais. Podemos pensar na idéia de teoria da mente como uma “teoria das pessoa sem autismo”. As pessoas com autismo não pensam em formular uma teoria sobre a nossa maneira de pensar. Eu sei como eu penso e sei que é diferente de como as outras pessoas pensam. No entanto eu não teorizo sobre as diferenças entre a minha maneira de pensar e a maneira de pensar de uma pessoa sem autismo. Uma pessoa com autismo não faria isso. Não que não sejamos capazes, mas isso não é o que fariam as pessoas com autismo que eu conheço.

A Teoria da Mente tem o seu valor e observa aspectos interessantes, mas precisa ser enriquecida pelas próprias pessoa com autismo, com a nossa maneira de pensar, nossas experiências, nosso modo de vida. O modo de pensar das pessoas com autismo é tão válido quanto o modo das pessoas que não tem autismo. São duas opiniões válidas.
Eu não poderia pensar diferente. Eu sou autista e meus pensamentos sempre serão influenciados por minhas experiências. Eu não saberia pensar diferente. Acreditar que eu possa, é como acreditar que uma pessoa sem autismo possa pensar exatamente como eu, estar realmente na minha pele. Esta idéia seria um total absurdo.

Para terminar, a Teoria da Mente é uma teoria válida e eu posso ver seu valor na minha vida. Muitos fatos da minha vida demonstram a falta de percepção das outras pessoas. ... Há sempre duas maneiras de se ver as coisas : a maneira não autista e a autista. Eu quero que você pense sobre a segunda.

Nenhum comentário: