quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Histórias de Cego – Como são os Álbuns de fotografia dos cegos? | Urece

Histórias de Cego – Como são os Álbuns de fotografia dos cegos? | Urece

Histórias de Cego – Como são os álbuns de fotografia dos cegos?

Cego tem foto? Tem. Ao menos eu tenho. E nem estou me referindo aos porta-retratos espalhados pelo meu quarto, por idéia da minha mãe, para quem eu sempre digo, "porta-retrato em quarto de cego é como CD em quarto de surdo, só serve para ocupar espaço". É por isso que as minhas fotos são um pouco mais acessíveis, diferentes, táteis.

Na foto, um pedacinho da Europa na estante do meu quarto. Se podem ver miniaturas de, pela ordem, Romênia, Alemanha, Turquia, França e Espanha.

O fascínio por miniaturas de monumentos turísticos começou na minha viagem à Europa, quando eu esquiei. É que, quando você não enxerga, passear pelas igrejas ou por castelos parece muito igual, porque o que os diferenciam são os detalhes arquitetônicos, as formas das torres, a disposição das colunas, todos detalhes que são inacessíveis ao cego.

Ou pelo menos eram. As miniaturas que coleciono não foram concebidas para o deficiente visual (são encontradas em muitas lojas de suvenirs), mas caíram como uma luva para quem, assim como eu, quer guardar recordações palpáveis das viagens. São o que eu chamo de fotos, bem mais caras que as que os videntes costumam tirar, mas creio que para nós são ainda mais fascinantes e especiais.

Castelos, palácios, igrejas, catedrais, mesquitas, faróis, edifícios, monumentos históricos, praças, pontes, torres, teatros, casas típicas, estátuas, paisagens, estádios de futebol, meios de transporte locais e até mesmo um mapa... Cada vez que eu toco uma das minhas miniaturas, eu sou imediatamente transportado para aquele lugar, mesmo que eu nunca tenha estado nele antes. Foi mais ou menos isso o que aconteceu quando eu toquei pela primeira vez a Torre Eiffel, presente de um amigo. E eu, que imaginava que torres eram todas torres (pensando naquela do jogo de xadrez), me surpreendi ao poder ver a sua forma, apoiada nas quatro patas. E foi então que eu entendi porque ela é um grande símbolo para os franceses.

Na foto, duas miniaturas do Hotel Deville,a Câmara Municipal de Bruxelas, Bélgica

Tudo começou em Bruxelas. Estando com o amigo Gabriel Mayr, diante de umespetáculo de luz no Hotel Deville (a Câmara Municipal da cidade), ele se esforçava por me descrever o que acontecia, até que ele teve a idéia de me mostrar, numa lojinha de turismo ali perto, a miniatura do prédio. E assim ele me explicou como o jogo de luz era feito. No entanto, a primeira miniatura adquirida, quando as idéias de uma coleção eram ainda pálidas e obscuras, veio mais ou menos um mês depois, em Budapeste, na Hungria. Por sugestão da mulher do albergue, fui ao mercado da cidade, onde adquiri o Bastião dos Pescadores, uma miniatura que nem dá idéia exata de como é o lugar de verdade, mas ficou na história como o ponto de partida.

Essa foi a primeira de quase 150 fotos. É que os amigos, familiares e conhecidos começaram a participar da brincadeira de modo que o que a princípio era um pequeno apanhado dos lugares por mim visitados, terminou transformando meu quarto em um apertado museu com pedacinhos de 66 cidades de 24 países de cinco continentes, até agora. Muitos desses lugares eu nem sequer conheço, assim como algumas das pessoas que me presentearam com as miniaturas.

Todavia, metade das fotos fui eu mesmo quem tirei... Ops, comprei. A história é sempre a mesma. É só chegar numa cidade nova e, mesmo antes de visitar os pontos turísticos, lá estou eu na lojinha de suvenirs mais próxima buscando por miniaturas. A recompensa é poder visitar um lugar tendo em mãos a sua réplica em escala e então entender exatamente onde se está. Às vezes faltam ofertas e nesse caso é necessário caminhar e perguntar muito, mas em outras vezes (o que é tão angustiante quanto), as opções são inúmeras.

Na foto, as mesquitas e demais miniaturas pechinchadas em Istambul

Foi o que aconteceu em Istambul, onde, no Gran Bazar, em meio a tudo o que se possa imaginar, havia o que eu chamo de fartura de miniaturas. foi preciso negociar muito para levar todas as que encontrei a um preço acessível. E foi assim que tive minha primeira mesquita (e depois a segunda, a terceira...). Ali os vendedores não fixam o preço; a gente chega a um acordo, em que às vezes se tem a sensação de ganhar, outras de perder. No final, levava uma mala com 14 novas fotos, sem saber como transportaria tantas torres pontudas para o Brasil sem despedaçá-las no caminho.

Na foto, miniaturas romenas. A menor de todas (amarela e vermelha) é o personagem de nossa história, o Castelo Peles

Mas outras foram quase que literalmente paridas. Na cidade de Sinaia (a Petrópolis romena), quando finalmente achamos a miniatura do castelo Peles, a grande atração turística do lugar, surpresa... Ela estava dentro de uma redoma de vidro. Disse à vendedora que só compraria se ela pudesse tirá-la dali de dentro. Por sorte, a senhora havia uma vez quebrado acidentalmente aquele suporte, acedeu ao pedido. Mas daí a tornar as palavras em ação, foram dez minutos de marteladas convictas e precisas, porque só interessava quebrar o invólucro e não o monumento em si. Foi como um parto. E a placenta do pequeno castelo, a cola que a prendia ao suporte, por mais esforços que eu tenha feito para removê-la, está aí até hoje, cheirando mal que só ela.

Claro que essa tara por miniaturas também me traria desvantagens. Muito além do malabarismo na hora de encontrar espaço na mala e no quarto, na última viagem, o zíper das minhas duas malas foi arrombado, tanto da que tinha cadeado quanto da outra que não tinha. E, pela ausência de objetos furtados e pela perfeita ordem com que chegaram em casa (exceção feita, lógico, aos dois zíperes), eu só concebo que tenha sido as autoridades brasileiras atrás de explosivos. Claro que o arrombamento de malas alheias não se justifica (e não me venham com história que é procedimento), mas não deve ser comum ver no raio X mais de 60 pequenos monumentos, de todas as formas, tamanhos e materiais. Acho que muitos de nós desconfiaríamos da carga.

por Marcos Lima

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O objetivo de Histórias de Cego é aproximar os nossos leitores do cotidiano das pessoas com deficiência visual. Sem ser ranzinza, a coluna pretende dar um peso menor à deficiência, trazendo os aspectos menos conhecidos da vida de uma pessoa que tem dificuldade de enxergar. Dificuldades e soluções, superação de obstáculos, tecnologia, preconceito e, sobretudo, muitas histórias. Aqui você pode perguntar tudo o que sempre quis e que nunca teve coragem. Não se preocupe, não existe pergunta feia ou boba demais. Lembre-se que a maior causa do preconceito é o desconhecimento!

É por isso que contamos com a sua participação. Mande dúvidas, sugestões de assuntos, suas histórias, críticas, utilizando o espaço de comentários ou o e-mail marcos@urece.org.br

Um comentário:

Paola disse...

Lindíssimas miniaturas! Sou apaixonada - e coleciono - miniaturas