Para cuidar do autismo, pais precisam ter fé
BENEDICT CAREY | New York Times | 27/12/2004
Tradução Monica Accioly e Argemiro Garcia
Desesperados pais de crianças autistas tentam de tudo - injeções de hormônio, dietas exóticas, cura pela fé - na esperança de encontrar a cura.
Mas após mais de 60 anos de haver sido identificado, o autismo continua confundindo e teimosamente difícil de tratar. O único consenso geral é de que as crianças autistas terão mais chances de desenvolver habilidades sociais e de linguagem se forem incluídas em algum tipo de terapia comportamental.
O Governo tem endossado estas terapias, que podem custar de 40 a 60 mil dólares por ano. Os pais lutam para colocar os filhos em programas comportamentais, encorajados pelo clamor de alguns terapeutas de que eles podem produzir resultados surpreendentes em 50% dos casos. Estima-se que 141 mil crianças autistas recebem serviços de educação especial, em muitos casos incluindo terapias comportamentais, através de escolas públicas.
No entanto, os pesquisadores publicaram pouquíssimos estudos rigorosamente controlados das terapias, e os resultados são duvidosos. Enquanto algumas crianças desabrocham e estão em salas regulares, os estudos mostram que a maioria apresenta progresso leve ou moderado. E, acrescentam os cientistas, o uso de tantos tratamentos alternativos ¿ incluindo vitaminas, dietas, terapias sensoriais e jogos de computador - mascaram os resultados do tratamento comportamental e torna-se muito difícil dizer o que está proporcionando a aquisição ou perda de habilidades pela criança.
A mais recente análise de pesquisa de tratamento, financiada pelo Instituto Nacional de Saúde [National Institutes of Health] e previsto para publicação no próximo ano, conclui que, embora os tratamentos comportamentais beneficiem muitas crianças, não há evidência de que um tratamento em particular leve à cura. Os médicos ainda não sabem prever quais as crianças que se beneficiarão com os tratamentos ou mesmo o quanto o autismo é tratável.
-"Se tantas crianças estão sendo curadas, onde estão elas? Quem são elas? Mostre-me 10%", diz a doutora Bryna Siegel, diretora da clínica para autistas da Universidade da California, San Francisco. "Os terapeutas não podem mostrar estas crianças pela simples razão de não existirem muitas delas por aí".
Questionando a evidência
Ninguém discorda que as terapias comportamentais podem ser transformadoras. Os pais têm um grande compromisso com elas e muitos especialistas enfatizam seus sucessos, dizendo que são a melhor opção disponível atualmente.
Mas há outros que afirmam que as evidências não são tão sólidas quanto parecem ser - uma visão que ecoou através de alguns planos de saúde, que têm recusado ou limitado a cobertura para tratamentos. E a política, dizem os especialistas, algumas vezes fica no caminho de uma avaliação séria de o quanto o programa funciona.
-"Chegamos a um ponto" - comenta a Dra. Susan Hyman, professora de Pediatria no Centro Médico da Universidade de Rochester [University of Rochester Medical Center] "onde questionar a evidência por trás das terapias é como criticar a sopinha da sua avó."
Existe uma variedade de programas de tratamentos comportamentais. Uma terapia chamada Análise do Comportamento Aplicada [ABA - applied behavior analysis] é a mais estudada e a mais aplicada. Nesta abordagem, o terapeuta começa trabalhando com a criança, um-a-um [um terapeuta para cada criança] freqüentemente por 20 a 40 horas semanais, visando a conquista de habilidades sociais e de linguagem, passo a passo. A criança é recompensada quando aprende palavras, permanece sentada ou cumprimenta alguém.
Um programa estadual da Carolina do Norte, conhecido como TEACCH (acrônimo para Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children - Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e Deficiências de Comunicação Relacionadas), usa figuras e rotinas, entre outras técnicas, que aproveitam as habilidades visuais para que as crianças mantenham a atenção e interajam com outras crianças. É aplicada em salas de aula e clínicas especializadas por professores treinados, gratuitamente em todo o Estado.
Floor Time, uma outra opção popular, coloca professores e pais no chão, seguindo a liderança da criança em brincadeiras para desenvolver a interação. Outras abordagens, incluindo o modelo Denver e o Treinamento Pivotal Response, também têm ajudado as crianças a melhorarem.
Num relatório de 2001, a Academia Nacional de Ciências avaliou todas as pesquisas e concluiu que o tratamento precoce e o tempo mínimo de 25 horas semanais, importa mais que o nome da abordagem utilizada. O envolvimento dos pais no tratamento ajuda muito, segundo o relatório.
Em alguns estados os pais têm enfrentado os conselhos regionais de educação para terem acesso gratuito a estes programas. Muitos pais pagam para que estes terapeutas venham às suas casas enquanto outros mudam para outros estados onde encontram melhores serviços.
-"Redesenhamos todo o terceiro andar para que parecesse com uma sala de aula TEACCH.", diz Inga Sawyer, mãe de um menino de 5 anos e uma menina de 3 que usam o método TEACCH em Carrboro, na Carolina do Norte, perto de Chapel Hill. "Ambos se beneficiam com a estrutura e tem sido muito útil para organizar o dia deles", conta.
Crença versus prova
Acreditar nos programas é uma coisa, provar que eles funcionam é outra. Os pesquisadores dizem que os estudos são de difícil realização. As terapias são muito longas e alguns pais não permitem que suas crianças façam parte dos grupos-controle que são essenciais para qualquer pesquisa científica. Mesmo a terapia comportamental mais conhecida e estudada, o método Lovaas, parece ser menos eficiente do que se acreditou inicialmente.
O método que recebeu o nome de seu inventor, Dr. O. Ivar Lovaas, psicólogo na Universidade da Califórnia, Los Angeles, é ensinado em manuais e constitui uma versão da análise do comportamento aplicada (ABA) que necessita de um acompanhamento diário do comportamento da criança. No programa original, os terapeutas ocasionalmente batiam nas coxas das crianças quando elas não se comportavam como se esperava, uma punição que foi abolido no final da década de 80.
Em 1987, Dr. Lovaas apresentou um estudo no qual 9 de 19 crianças que receberam 40 horas por semana de terapia intensiva, foram classificadas como tendo desempenho normal após 2 anos, pelo menos. Apenas 2% das crianças de um outro grupo que recebeu uma versão menos intensiva da terapia, saiu-se tão bem.
Num estudo de follow-up em 1993, Dr. Lovaas relatou que os ganhos iniciais daquelas crianças haviam se mantido até a idade de 12 ou 13 anos, o que acendeu a esperança numa área que apenas conhecia a resignação.
No entanto, em 2000, um grupo de pesquisadores treinados por Dr Lovaas tentou confirmar suas descobertas, mas em vão. Após receberem 20 a 30 horas por semana do método Lovaas ao longo de 2 anos, apenas 2 de 15 crianças do estudo alcançaram o nível mais alto, atingindo desempenho adequado em todas as áreas e passando para classes regulares sem assistência, de acordo com o Dr. Tristam Smith, coordenador da pesquisa e professor assistente de Psicologia na Universidade de Rochester. Nenhuma criança do grupo-controle conquistou as mesmas habilidades, ele disse.
Neste estudo, as crianças que tinham autismo, ao contrário de outro grupo com transtorno menos severo, não apresentaram progressos significantes comop um grupo na maioria das áreas, comparadas àquelas que receberam terapia menos intensiva.
Dr Lovaas, atualmente emérito professor da UCLA, disse numa entrevista que a explicação mais provável é a qualidade da terapia recebida. "Não sei porque os resultados foram tão diferentes, mas minha opinião é que eles não trabalharam tão eficientemente quanto nós", comentou.
No entanto, numa revisão das pesquisas mais recentes, publicada no Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, Dr. Sally Rogers, diretora do MIND Institute na Universidade da California, Davis, escreveu que "Este tipo de tratamento é considerado por muitos o tratamento adequado para as crianças com autismo de baixo desempenho. Ainda assim, uma pesquisa bem delineada deste tratamento, realizada por especialistas no método, não demonstrou progresso no grupo de crianças com a síndrome, em relação ao grupo controle."
Numa entrevista, Dr. Rogers disse que o estudo de Smith foi muito pequeno para ser conclusivo e que há outros estudos sugerindo que terapias intensivas promovem ganhos moderados em habilidades lingüísticas e outras, ainda que não superem as deficiências centrais.
Em um destes estudos, pesquisadores canadenses encontraram ganhos significativos na linguagem, se comparados a outras crianças tratadas em creches, após 3 meses de intervenção em crianças cujos pais foram ensinados a estimular a comunicação e a brincadeira de seus filhos. Em 2002, um estudo norueguês encontrou ganhos de 17 pontos em QI de 25 crianças entre 4 a 7 anos de idade, submetidas ao tratamento Lovaas. No entanto, nenhuma destas crianças foi descrita como curada. Em outro estudo, pesquisadores que acompanharam crianças incluídas em programas TEACCH, Modelo Denver e outros programas, também encontraram ganhos expressivos em QI e linguagem, além de outras habilidades.
"Estamos falando em terapias que elevam em 10 a 20 pontos o QI, o que é significativo e muito difícil de se alcançar", diz Dr. Rogers.
A Questão Fundamental
Entretanto, os cientistas ainda não responderam a questão mais fundamental sobre estas terapias: Por que uma criança desabrocha no tratamento e outra não?
Os pesquisadores sugerem hipóteses. Alguns acreditam que a resposta tem relação com propriedades estruturais do cérebro, o que apareceria em exames. Outros suspeitam que as crianças que não respondem bem ao tratamento apresentam um problema adicional no processamento da linguagem.
Em sua longa experiência, Dr Lovaas diz que tem observado que as crianças que não aprendem a imitar a fala de outra pessoa em alguns meses de tratamento, raramente saem-se bem e pesquisadores em San Diego propuseram que possuir uma habilidade básica para iniciar interação social é crucial para o sucesso do tratamento; descobriram que as crianças que tentaram interagir com seus pares durante um breve período de brincadeira, saíram-se bem na terapia.
Todas estas idéias estão sendo pesquisadas. "Espero que um maior número de pesquisas nos mostre que existem 2 grupos de crianças: um grupo que se desenvolve bem no ensino direto e outro que precisa de um tratamento biomédico", diz Dr. Geraldine Dawson, diretora do programa de autismo na Universidade de Washington em Seattle. "E poderemos distingüir um grupo do outro".
Mas trabalhar com cada sutil diferença na linguagem e na estrutura cerebral requer control cuidadoso, algo que os pesquisadores do autismo não têm. Com os médicos enfatizando a importância da intervenção precoce, os pais das crianças com autismo olham para o relógio em disparada e tentam de tudo. Três novos levantamentos, com um total de 2500 pais da Carolina do Norte, Massachusetts e Pennsylvania, mostrou que cerca de três quartos das famílias que lidam com o autismo tentam tratamentos alternativos, usualmente como um reforço para programas estruturados.
Uma das opções mais populares é a terapia de integração sensorial, usada por cerca de 50% a 70% dos pais, na qual os terapeutas usam balanços e roupas com pesos para "equilibrar" a criança, e até escovam sua pele com escovas especiais.
Cerca de 25% a 40% dos pais colocam suas crianças em dietas especiais, especialmente a dieta sem gluten e sem caseína, uma proteína encontrada no leite e seus derivados, que algumas pessoas acreditam provocar uma reação que causaria ou pioraria o autismo.
Muitos pais (10% a 30%), baseados em relatos de tratamentos normalizarem o comportamento em alguns casos, dão a seus filhos altas dosagens de vitaminas como o magnésio e B6 ou suplementos alimentares. E cerca de 10% dos pais pagam para que seus filhos montem a cavalo, nadem com golfinhos e recebam terapia do toque como parte do programa para o autismo.
Os cientistas dizem que não há evidência científica que algum destes tratamentos melhore os prejuízos centrais do autismo: na relação social, na comunicação e nos comportamentos repetitivos. Nos levantamentos, os pais geralmente concordam: os tratamentos ajudam com certos comportamentos, como a agitação, mas raramente alteram as deficiências fundamentais.
"Há sempre uma reação de profunda tristeza quando se recebe o diagnóstico de autismo, os pais passam pelo luto, pela negação, e prometer a eles que seus filhos serão curados por estas terapias, apenas proporciona uma falsa esperança, prolongando a tristeza", diz Dr Siegel, da UCSF.
Realmente, as pesquisas apontam a frustração vivida por muitas famílias: até 50% dos pais relataram que seus filhos recebem medicações psiquiátricas, incluindo antidepressivos, estimulantes como a Ritalina e drogas antipsicóticas normalmente prescritas para esquizofrenia. Estas drogas amenizam certos comportamentos associados ao autismo, mas não alteram a condição subjacente e podem piorar as mudanças de humor, dizem os médicos.
Futuramente, dizem os especialistas, a ciência dos tratamentos estará mais clara. O National Institutes of Health está financiando 70 estudos relativos ao tratamento, incluindo o da dieta mais popular (SGSC), conduzido pelo Dr. Hyman da Universidade de Rochester e um grupo no Wisconsin está realizando uma avaliação do método do Dr. Lovaas com 23 crianças, e há outros 10 lugares levando estudos similares, de acordo com os doutores Lovaas e Smith, que coordenam as pesquisas. Os resultados, segundo eles, são encorajadores.
Os cientistas dizem que não há evidência científica que algum destes tratamentos melhore os prejuízos centrais do autismo: na relação social, na comunicação e nos comportamentos repetitivos. Nos levantamentos, os pais geralmente concordam: os tratamentos ajudam com certos comportamentos, como a agitação, mas raramente alteram as deficiências fundamentais.
"Há sempre uma reação de profunda tristeza quando se recebe o diagnóstico de autismo, os pais passam pelo luto, pela negação, e prometer a eles que seus filhos serão curados por estas terapias, apenas proporciona uma falsa esperança, prolongando a tristeza", diz Dr Siegel, da UCSF.
Realmente, as pesquisas apontam a frustração vivida por muitas famílias: até 50% dos pais relataram que seus filhos recebem medicações psiquiátricas, incluindo antidepressivos, estimulantes como a Ritalina e drogas antipsicóticas normalmente prescritas para esquizofrenia. Estas drogas amenizam certos comportamentos associados ao autismo, mas não alteram a condição subjacente e podem piorar as mudanças de humor, dizem os médicos.
Futuramente, dizem os especialistas, a ciência dos tratamentos estará mais clara. O National Institutes of Health está financiando 70 estudos relativos ao tratamento, incluindo o da dieta mais popular (SGSC), conduzido pelo Dr. Hyman da Universidade de Rochester e um grupo no Wisconsin está realizando uma avaliação do método do Dr. Lovaas com 23 crianças, e há outros 10 lugares levando estudos similares, de acordo com os doutores Lovaas e Smith, que coordenam as pesquisas. Os resultados, segundo eles, são encorajadores.
Apesar disto, os pais de adultos com autismo estão tranqüilos. Depois de haverem tentado alguns tratamentos e acompanhado outros tantos, dizem que a mudança é possível. Mas tende a ser lenta e ocorre não apenas com as crianças, mas também com as expectativas dos pais e o modo de enfrentamento.
Com a ajuda do programa TEACCH, Davi, filho de Alice Wertheimer, continuou em classe especial na high school (5ª a 8ª série), aprendendo a se comunicar e alcançou certa independência. Aos 18 anos, é um jovem que gosta de repetir as falas de seus filmes prediletos, imitar colegas e professores e ficar com seus pais. Quando criança, sua mãe relata que Davi estava no meio da escala do autismo, mas vem progredindo sempre. Embora seja claramente autista, não é visto assim por aqueles que convivem com ele.
"Ele é como é: apenas um garoto. Um garoto e tanto", diz Alice.
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