sábado, 26 de dezembro de 2009

O QUE O CÉREBRO ENSINA AS MÁQUINAS


Com capacidade de sentir, perceber e interagir, órgão serve de modelo; tecnologia artificial deve ficar mais humana

por Rafael Cabral

147.456 processadores, 143 terabytes de memória, 6.675 toneladas de aparelhos de ar condicionado, milhões de watts de energia elétrica e quase 4 mil metros quadrados de área. É esse o tamanho do maior cérebro artificial do mundo, construído no laboratório de inovação IBM, na Califórnia. Os números podem impressionar, mas o Blue Gene/P consegue simular apenas o cérebro de um gato (e, ainda assim, de forma simplificada). Os robôs ainda passam longe da mente humana: o supercomputador não consegue imitar nem 1% dela. É, robôs ainda têm um bocado para aprender.

A maior dificuldade em um projeto de engenharia reversa do córtex é também a mais óbvia: como reconstruir algo que não sabemos ao certo como funciona? Fundindo as máquinas mais velozes do mundo à nanotecnologia e à neurociência, as simulações, hoje, não passam de aproximações. Rascunhos que, como no tal cérebro mecânico do gato, ignoram estruturas e conexões do órgão real.

“A capacidade computacional da mente é absurda. Por isso, criamos um modelo para tentar entendê-la”, defende-se o cientista indiano Dharmendra Modha, chefe do setor de computação cognitiva da IBM e criador do projeto. Para ele, “o cérebro é um paradigma”, pois “consegue sentir, perceber, interagir, lidar com ambiguidade e entender contextos” e, mesmo assim, “usar menos energia do que uma lâmpada e ocupar um espaço mínimo”.

TECNOLOGIA COMO CIÊNCIA
Impensável antes da descoberta da estrutura do DNA, em 1953, a compreensão da mente em termos biológicos é o principal desafio da ciência do século 21. É a possibilidade de entender, finalmente, os caminhos da aprendizagem, da percepção, das lembranças e da consciência, e também a fronteira do livre-arbítrio (afinal, a mente também tem lá seus limites).

Mas e a meta da tecnologia, qual é? Ao que tudo indica, é tentar seguir esses mesmos passos. Mesmo com poder de arquivamento enorme, as máquinas ainda são incapazes de fazer o feijão-com-arroz da mente: pensar, sentir, adaptar-se.

“Não há máquina que tenha visão crítica e ativa da realidade, que generalize e entenda contextos. A nova computação deve evoluir imitando o cérebro”, decreta Miguel Nicolelis, chefe do setor de neurociência da Universidade de Duke. O futuro da tecnologia artificial é se tornar um pouco mais humana.

HOMEM-ROBÔ
Se você pensou em um ciborgue retrô da ficção científica, tão dominado pela tecnologia que perdeu a humanidade, esqueça-o. As interfaces homem-robô há tempos já saíram da imaginação dos escritores para entrar na realidade de pesquisadores.

Os projetos são inúmeros e promissores. Vão de ideias úteis, como uma cadeira de rodas que permite que pessoas paralisadas a controlem apenas com o pensamento, da Toyota, até aparentes besteiras, como um capacete que transforma impulsos cerebrais em tweets (apenas aparente, porque pode significar um avanço para pessoas paralisadas com atividade mental perfeita).

O próprio Miguel Nicolelis confia na integração mente-máquina para seu projeto mais ambicioso: levar impulsos cerebrais de quadriplégicos a uma estrutura robótica e devolver-lhes o movimento.

Até o consumo deve ser afetado, como mostra uma pesquisa do Intel Labs, de Pittsburgh, que tem o objetivo de “ensinar as máquinas a entender um algoritmo daquilo que pensamos”, nas palavras do cientista Dean Pomerleau, cabeça do projeto. A intenção é que, a partir disso, sejam desenvolvidas “interfaces mais ricas que as de hoje”, que seriam controladas sem dispositivos.

Aposentar controle remoto, mouse e teclado, além de dar uma esperança para quem perdeu os movimentos, são só algumas das promessas dessa área que não sabe mais se é ciência ou tecnologia (e nem precisa mais).

Robô tenta decifrar como a mente funciona
Montar um cérebro artificial, peça por peça, para finalmente entender como a mente real funciona. É esse o objetivo do projeto desenvolvido pela IBM, financiado pelo Departamento de Defesa dos EUA. Criticado por tentar reduzir um universo de conexões a uma série de padrões e por afirmar que reconstruiria as ações do córtex até 2019, o projeto foi tachado de “ação publicitária” por boa parte da comunidade científica. Coordenador do Blue Brain, uma pesquisa semelhante, o cientista Henry Markram chamou a ideia rival de “uma brincadeira que nenhum neurocientista sério irá acreditar”.

O brasileiro Miguel Nicolelis realmente não acredita. “Esse é um projeto duvidoso. Já participei de uma mesa redonda com o pessoal da empresa e acho que eles perderam completamente a razão. Eles estão usando padrões da neurociência do século 20 e ignorando as inovações”, afirma o neurocientista.

A IBM, no entanto, segue firme no projeto, carro-chefe do seu laboratório de inovação, em Almaden, na Califórnia. Combinando a neurociência e a nanotecnologia, a empresa espera em longo prazo “demonstrar os algoritmos da mente e desenvolver compactos computadores que se aproximem dessa inteligência”, nas palavras do idealizador da ‘mente recriada’, o indiano Dharmendra Modha.

O fim de teclados e mouses
Mapear o cérebro e entender suas reações para, depois, desenvolver uma interface que acabaria com a necessidade de
um equipamento físico para controlar a televisão ou o computador. É esse o objetivo de uma pesquisa em curso no Intel Labs. “Ao decodificar o cérebro, conseguiremos desenvolver interfaces integrando a tecnologia aos nossos pensamentos”, diz Dean Pomeleau, responsável pela ideia.

Interface homem-máquina
A fusão entre o cérebro humano e as máquinas é uma das grandes promessas da ciência atual. Rastreando as ondas cerebrais e transportando-as para um dispositivo robótico, pesquisas no mundo todo desenvolvem protótipos como uma cadeira de rodas que dá autonomia aos quadriplégicos e um sistema de escrita que lhes devolve a palavra (que vem direto do cérebro). O homem-robô não é mais uma ficção.

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