domingo, 9 de maio de 2010

O Papel da Universidade Frente às Políticas Públicas para Educação Inclusiva - Parte 3


Caro leitor,
Na segunda parte do artigo"O Papel da Universidade Frente às Políticas Públicas para Educação Inclusiva" da professora Rosana Glat* e da mestranda Márcia Denise Plettsch**, você pode acompanhar que o aspecto determinante para a efetivação de uma política de inclusão educacional na universidade, é o ensino. Vários estudos demonstraram que a principal barreira para a efetivação da educação inclusiva, é o despreparo dos professores para lidar com alunos com significativos déficits cognitivos, psicomotores e/ ou sensoriais na realidade de uma classe regular.
Na terceira parte desse artigo, você poderá entender que além do ensino, outro papel importante da universidade é a produção de conhecimento através da pesquisa. Existem muitas experiências, pesquisa e práticas educacionais validadas cientificamente, porém são poucas as pesquisas sobre como incluir alunos com deficiência em escolas regulares.

" A segunda esfera de atuação da universidade é a produção de conhecimento através da pesquisa. A área da Educação, por tradição, tem privilegiado as chamadas pesquisas aplicadas, cujos resultados podem contribuir diretamente na transformação da realidade. Nesse aspecto, as universidades brasileiras vêm acumulando um significativo acervo de pesquisas sobre inclusão educacional, que abrange diversas dimensões –formação de professores, ensino-aprendizagem, atitudes e percepções de familiares e profissionais, auto-percepção, profissionalização, políticas públicas, entre tantas outras(Nunes, Glat, Ferreira & Mendes, 1998; Nunes, Mendes, Ferreira & Glat, 2003). Tal material oferece dados importantes sobre o processo de inclusão e as necessidades enfrentadas pelo sistema educacional brasileiro para sua implementação.

No entanto, ainda são poucas as pesquisas, experiências e práticas educacionais validadas cientificamente que mostram o que fazer para incluir no cotidiano de uma classe regular alunos que apresentem diferentes tipos de necessidades especiais. Conforme tivemos oportunidade de apontar em um trabalho anterior Glat et al. (2003):

(...) o próprio sistema de ensino não reúne dados que lhe forneça subsídios para promover a avaliação do processo de inclusão escolar a partir da voz dos próprios sujeitos incluídos, uma vez que as histórias de vida disponíveis são baseadas na experiência de pessoas, hoje adultas, que conseguiram se incluir à sociedade por “imposição” e / ou “insistência”,valendo-se de seus próprios esforços, em uma época em que não havia políticas públicas que garantissem seus direitos, tampouco métodos, processos ou recursos de adaptação.Como tais possíveis informantes, além de terem tido histórias de inclusão diferentes,constituem um grupo muito pequeno e suas vozes não necessariamente auxiliariam na avaliação do impacto das experiências de inclusão sobre o cidadão deficiente hoje ingressando no sistema escolar, para o qual as políticas públicas de inclusão consistiriam na única alternativa para obtenção de voz pública (p 62).

Em face desta constatação é preciso ampliar o foco das pesquisas em duas direções básicas:
a) na avaliação das inúmeras experiências de inclusão em curso, mais ou menosbem sucedidas, a partir de pesquisas de campo – sob diferentes enfoques ou metodologias, tais como Etnografia, História de Vida, Estudos de Caso, etc. –, de modo que se possa identificar, por exemplo, as dificuldades que foram encontradas na prática do dia-a-dia, qual a trajetória (em termos longitudinais) de aprendizagem desses alunos no sistema regular e, principalmente, que estratégias de superação foram encontradas;

b) na valorização da pesquisa-ação, incluindo o desenvolvimento de métodos etécnicas inovadoras que possam ser levadas a cabo no próprio espaço escolar. Ou seja, investigar e experimentar formas de se fazer inclusão no cotidiano de uma escola. Por exemplo, como fazer adaptações curriculares e avaliação da aprendizagem de um aluno com necessidade especial que tenha uma deficiência X, em uma classe Y, na escola Z.

Sobre a importância da pesquisa-ação na área da educação inclusiva, diz Ferreira (2003):
Numa abordagem de pesquisa-ação o pesquisador compromete-se politicamente com o desenvolvimento e empoderamento da comunidade dentro da qual o estudo se insere. O pesquisador é parceiro da comunidade que estuda e é aprendiz que busca se engajar na realidade estudada, a fim de compreender a percepção que a própria comunidade escolar tem acerca de sua realidade, como disse Paulo Freire. O pesquisador em ação não é o detentor do conhecimento e, portanto, não tem as respostas, o veio de julgamento (comum aos pesquisadores quando invadem o campo) e o poder das decisões sobre o objeto de estudo. Somente através da parceria com os membros da comunidade em investigação e da ação investigativa conjunta que pesquisador e parceiros buscarão construir uma teoria aplicável àquela realidade particular (pg.14).

Investir nessas duas direções permite também superar uma outra falsa dicotomia que é a da teoria / prática ou academia / campo, na qual está embutida a visão de que cabe à universidade o papel do pesquisador, enquanto que a escola e os professores figuram tão-somente como sujeitos passivos --- objetos de estudo -- nesse processo. Ao contrário, como apontado nas palavras de Ferreira, o que se propõe é um tipo de integração da universidade com a rede escolar em que os professores participem ativamente de todas as fases do desenvolvimento do estudo, aprendendo a serem pesquisadores de sua própria prática.

Esta concepção de pesquisa aplicada articula-se ao primeiro aspecto da discussão aqui travada, ou seja, que a formação de educadores pela universidade deve incluir não apenas um conteúdo abrangente, mas, também, uma maior interrelação coma prática do seu corpo discente que, em grande medida, já é composto por professores que podem desenvolver essas pesquisas em seus próprios locais de trabalho.

*Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,Coordenadora do Núcleo de Educação Inclusiva (NEI), Membro do Conselho Municipal de Educação doRio de Janeiro.
** Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Artigo publicado na Revista Benjamim Constant, ano 10, nº 29, p. 3-8, 2004

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