“Minha deficiência é um agravante, não um diferencial”
O sentimento de pena é o que mais incomoda Nathalia Blagevitch Fernandez. Nascida há 22 anos com paralisia cerebral (hemiplegia), Nathalia gosta de ser vista apenas como alguém normal que tem limitações nos movimentos corporais. “A deficiência é um agravante, não um diferencial”, declara. “Eu me vejo só como mais um aluno que conseguiu uma bolsa”.
Apesar de não permitir mexer o lado direito do corpo, a doença nunca foi um obstáculo. Ao contrário, foi um combustível para a superação. Como estudou a vida toda em escolas não adaptadas, Nathalia ouviu muita gente desencorajá-la em relação à vida profissional. “Os professores me diziam tantas bobagens que isso me fortaleceu muito e me fez correr ainda mais atrás dos meus objetivos. Eles falavam que eu não conseguiria passar no vestibular, não chegaria à graduação”, lembra.
Estavam equivocados. A estudante da Faculdade de Direito Damásio de Jesus, em São Paulo, foi indicada pela Comissão de Relações Internacionais da OAB-SP para um curso intensivo de introdução ao sistema jurídico norte-americanona Thomas Jefferson School of Law, em San Diego, durante julho deste ano. “Será uma oportunidade para me aprofundar na área Internacional e do Direito da Deficiência, e adaptar o conhecimento para a legislação brasileira”, prossegue.
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Não é a primeira vez que Nathalia viaja sozinha ao exterior. Ano passado, ela concluiu um curso de inglês em Las Vegas, com duração de 45 dias. “O balanço da primeira experiência foi muito positivo”, diz. Mas o processo foi extenso e teve algumas surpresas. Demorou um ano até que ela encontrasse uma casa adaptada e uma família disposta a ter cuidados específicos.
“Já no primeiro dia percebi que a casa não tinha nada de acessível. Aí tive que pagar um extra para a família, mas eles não tinham qualquer disposição para me ajudar”. Foi aí que ela se mudou para uma residência estudantil e descobriu habilidades ainda desconhecidas. “Hoje já consigo ver as limitações que a minha deficiência me impõe e as que são geradas pelo meu psicológico”, ressalta.
Segundo Nathalia, as meninas com quem morava não ligavam muito para limpeza. “Cozinhar, passar um pano no banheiro, lavar roupa são atividades que eu tenho quem faça aqui no Brasil, então não sabia que conseguiria fazer sozinha. Mas lá eu tinha que fazer! Pegava a minha scooter (quadriciclo elétrico) e ia passando o aspirador pela casa toda. Sem dramas!”
A bordo de seu veículo elétrico, Nathalia faz de suas incursões pelos Estados Unidos uma injeção de motivação, para trazer uma acessibilidade melhor para o país. “Costumo dizer que os EUA têm acessibilidade arquitetônica, e o Brasil, social.”
Se aqui ela fica “mais presa”, como contou, na Califórnia ela vai para cima e para baixo. No entanto, o vento californiano já foi uma pedra em seu caminho. “Acabei tombando da scooter e fiquei com o olho roxo”, diz, sem se abalar. E é este o espírito que ela mantém durante toda a conversa. “Muitas vezes, por não conhecerem, as pessoas me tratam como coitadinha. Confesso que isso me revolta”, desabafa e avisa: “Tenho total condição de lutar para chegar junto com os outros”.
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