quarta-feira, 17 de julho de 2013

O SURDO, O CEGO E O ELEFANTE BRANCO

O SURDO, O CEGO E O ELEFANTE BRANCO


Imagem publicada - um elefante branco, ou seja um elefante que está pintado como um tigre, que tem uma máscara de um tigre, mas é um elefante, transvestido e com faixas pretas de tigre pintadas, ou seja o que nós chamamos de uma situação que parece mas não é... um pouco parecido com o momento do movimento político das pessoas com deficiência na defesa do direito à Educação Inclusiva... Estão querendo, como no reino de Sião (hoje Tailãndia), nos entregar um ''elefante branco'', estatutariamente construído, que pode nos levar até a "falência" de direitos conquistados, pois: ..."esses animais necessitavam de toda uma equipe para lhes prestar cuidados e, sendo sagrados, não podiam ser postos para trabalhar, de modo que, se tornavam uma pesada carga financeira, capaz de levar à ruína qualquer um que não fosse muito rico.". O elefante segura, com a tromba, uma placa com um rugido "Roar", completando a sua fantasia de tigre.

Um dia um homem cego encontrou-se com um velho amigo seu. Este era surdo. Ambos viviam em um planeta, como aquele do Pequeno Príncipe. Um microplaneta solitário, quase solidário. Lá as autoridades legais tinham estabelecido uma série de leis e de discursos que os faziam se sentirem "quase iguais". Porém, pela chamada ''natureza humana'', muito mais para a discórdia do que para a concórdia, eles começaram a discutir sobre seus modos de ''ver'' e ''escutar'' o mundo. Assim como o modo de interpretar essas leis e discursos. Os dois tinham suas razões. Tinham também muito mais é emoções, subjetividades e afetos misturados em suas propostas de discordância. Eles eram e são diferentes.

Ambos marcavam sempre um encontro para trocarem seus ''insultos'' midiatizáveis. Ambos também já trocaram, no passado, muitas gentilezas. O que os afastava, hoje, era que o cego defendia, ardorosamente uma nova constituição legal, chamada de Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ela foi promulgada em um outro espaço sideral. Em uma reunião dos diferentes microplanetas humanos, também com muitas discordâncias. E, após muitas lutas conseguiu-se torná-la um decreto, uma emenda constitucional do nosso novo século.

Ambos, cegos e surdos, estavam agora defendendo aparentes polos opostos em suas diferenças. Nos é comum, quando o Outro, o diferente de mim, me questiona ou interpela que eu me faça sempre como divergência, principalmente se não o ''vejo'' ou o ''escuto". Os nossos paradigmas, como perpectivas dominantes ou hegemônicas, sobre o que é a verdade da autoridade podem se naturalizar. Podemos negar as diferenças e singularidades desse alter ego.

Um tal de Saussare disse que a diferença é fundamentada na linguagem. E, como o cego ''dizia que'' não via o que Outro via, enquanto o surdo "dizia", em Libras que não escutava o que o cego captava, lá iam os dois alimentando sua pendenga. Caminhando na mesma estrada, pisando nas mesmas pedras no caminho, tendo os mesmos obstáculos que exigem a cooperação de ambos. Porém, entretanto, todavia, contudo "diziam" que no riacho ou na encruzilhada, que chamamos de Inclusão, que a sua margem ou seta continha a perfeição. Ambos teimavam ter a verdadeira travessia ou ou verdadeiro caminho.

Um dia, quando ambos estavam, como disse Empedócles, antes de pular no vulcão: em plena discórdia. Aguerridos e prestes a se engalfinhar. Eis que surge, oportunamente, um tal de representante político do Planalto Central para complicar suas vidas. Estavam quase conseguindo ver e enxergar suas diferenças. O tal representante popular lhes trouxe um complicador. Ele trazia, preso à uma corrente, um Elefante Branco. E, aos dois duelistas, insistia em apresentá-lo como a possível concórdia para todos e todas, cegos e cegas, surdos e surdas. Universalmente e indiscriminadamente deficientes. Segundo suas falácias e falas o animal paquidérmico seria a solução de seus debates excludentes.

Aos dois, que insistiam que havia uma única maneira de educar seus filhos cegos ou surdos, ou seja, de forma totalmente protegida e especial, o representante trouxe uma enorme, gigantesca e tangível questão/solução. Como apresentava, por seu carisma, um discurso novo sobre diversidade, identidade e diferença, o representante planáltico os convenceu a fazerem uma trégua. Enquanto não conseguissem descrever com minúncias e detalhes toda a extensão do paquiderme, assim como descrever com fidedignidade todas as formas de ruídos por ele emitidos, não poderiam ter a resposta da sua disputada busca pela afirmação de seus singulares direitos.

E o cego, imbuido da suas ferramentas assistivas e ajudas técnicas, passou a mesuração e esquadrinhamento de toda a pele do elefante. Ao mesmo tempo que o surdo, após um implante coclear e usando a Libras tentava se comunicar com o animal. Ambos, mais uma vez, caminharam muito próximos de uma solução. O que os afastou novamente teria sido o peso do elefante? a sua cor não visível para o cego? o som ensurdecedor de sua tromba para o surdo? ou apenas a dimensão minúscula dos seus pelos e seu pequeno rabo? ou as politicagens do astuto representante planáltico, de olhos e orelhas em pé apenas nos dois votos?

O que me leva a escrever essa ''estória'' é a possibilidade de um retrocesso do que levou anos para ser conquistado. Quando soubermos todas as respostas sobre o Elefante Branco da macropolítica, se nos ''acordamos'' (do latim cordis=coração), ou seja nos colocarmos mais nos afetos comuns do que nas mentes egolátricas e vaidosas, talvez possa ser muito tarde para entender nossa história. Mais ainda, entender como nos enredamos nos descaminhos das supostas identidades engessadas. Eu sou cego, você é surdo, mas nos denominam a ambos como ''deficientes''.

Minha filha me fez reler, hoje, um conto do Congo, onde um sapo e um macaco se encontram na amizade, mas ao frequentarem os diferentes espaços familiares de cada um passam pela desigualdade de hábitos, culturas e modos de ser. Após um desencontro e risco para sua amizade descobrem que ''são diferentes'', quando um sábio macaco velho lhes mostra quão mesquinhos e egoístas tinha sido os pais de cada um. Para um trabalho escolar ela retirou do conto a seguinte máxima: "O mundo é povoado de pessoas discordantes. É a diferença entre elas que as torna interessantes, quem aceita e compreende isso enriquece, quem recusa, coitado, se empobrece". Eu diria: - ganha de presente um Elefante Branco.

Há, para mim em minha convicção momentânea, um quê de sabedoria nas histórias ancestrais. Elas tem, como as histórias dos dervixes, uma série de metáforas embutidas ou explícitas sobre nossa condição humana. E, se fosse possível sintetizar o que lhes quero provocar, diria a máxima popular: "cada macado no seu galho", enquanto "as raposas políticas continuam fazendo a festa no galinheiro", e, nós, chamados de incapazes ou incompetentes diante do Elefante Branco, não enxergando/auscultando o engodo da disputa sem saída sobre inclusão escolar, acabaremos ''engolindo mais um sapo''...

Por mais que sejam nobres nossas causas, em defesa de nossas culturas, ou posições ideológicas, nossos afetos nos impedem de "ver, escutar, sentir, dimensionar, tocar, descobrir...".Temos de ir além, refletindo que a identidade e a diferença são processos de produção social, e, como tal, são e serão processos que envolvem relações de poder.

Aos dois querelantes imaginários, ou melhor às radicalidades atuais sobre o processo de inclusão escolar, agora em debate, solicito a inclusão do verbo POLITIZAR, antes mesmo do verbo militar. Já dizia o querido Guattari, sobre a revolução molecular: "militar é agir..." micropoliticamente, e não "grupelhizar".

Vamos aprender, multiculturalmente, a linguagem diferente que permitiu a Gennet de Corcuera, em sua surdocegueira, chegar até a Universidade... e nesse devir mulher, negra, etíope e ''nem lá, nem cá'', nem surda e nem cega, muito pelo contrário, aprender outra língua, o espanhol, que não é o dialeto/diferença de seu povo original, e,transculturalmente, superar as discriminações e barreiras a partir do afeto que recebeu e retribuiu, agora incluirá... e incluiremos, diferentemente.


copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicação livre pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

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