Caro (a) leitor (a),
O senador Paulo Paim nasceu em Caxias do Sul em 1950, foi operário metalúrgico e líder sindical. Em 2003 ocupou a vaga de senador e atuou durante muitos anos como presidente da Casa. É autor de diversas leis, entre elas o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Acompanhe a entrevista:
Por Vera Garcia
Deficiente Ciente: O que o motivou a entrar na carreira política?
Senador Paulo Paim.: Eu me criei num ambiente familiar que de certa forma era muito político. Os meus pais eram getulistas e eu ouvia muitas histórias sobre ele. E assim eu fui crescendo. A minha infância e adolescência foi vivida num período muito conturbado do nosso país. As décadas de 50 e 60 foram períodos de ‘caristia’ como se falava na época, e de muita desigualdade social e disputa partidária ideológica. Eu creio que assim eu fui formando uma posição política de visão social e de combate a todas as espécies de injustiça. É claro que eu tive um inicio: fui militante do movimento estudantil. Depois veio o movimento sindical: presidi o Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas em plena ditadura. Em 1986 fui eleito deputado federal para a Assembleia Nacional Constituinte.
D.C.: Notamos que o senhor desenvolve um trabalho perseverante, há algum tempo, com os segmentos vulneráveis da sociedade, como por exemplo, pessoas com deficiência e idosos. O que o levou a lutar por estes segmentos?
P.P.: Eu sempre digo que há algo dentro de mim que não aceita discriminações e injustiças. Tive na família uma experiência que me marcou e me ensinou muito: foi a convivência com a minha irmã Marlene que era cega. Hoje ela não se encontra conosco, mas a lição que ela me deixou ajuda a compreender as dificuldades e o potencial que essas pessoas carregam.
D.C.: Qual a importância do projeto de lei “Fim do Fator Previdenciário” na vida dos trabalhadores?
P.P.: Eu considero o fator previdenciário o maior inimigo dos trabalhadores brasileiros. É um absurdo, um crime o nosso país ainda mantê-lo. O fator previdenciário retira, rouba, assalta na hora da aposentadoria cerca de 50% do salário da mulher, e de 45% do salário do homem. Vou dar um exemplo bem prático. É como se de fato um trabalhador ou trabalhadora ter que receber de aposentadoria R$1.500,00, mas com a aplicação do fator previdenciário ele ou ela recebesse R$ 800,00. É de ficar indignado. O Senado já aprovou a nossa proposta que acaba de vez com o famigerado fator. E pasmem: o projeto está na Câmara desde 2008, na mão dos deputados federais.
D.C.: Segundo o Governo, a aprovação do projeto Fim do Fator Previdenciário, causaria um rombo nas contas do tesouro nacional. Entretanto, o governo tem dinheiro para reduzir tributos aos empresários com o caixa da Previdência. Como o senhor está reagindo ao veto da presidente Dilma Rousseff em relação a esse projeto?
P.P.: Primeiro, a Previdência Social nunca foi deficitária. A própria Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip) possui estudo demonstrando que a Previdência brasileira é superavitária. Nós temos que ficar de olhos bem abertos para não cairmos em falácias. Esse discurso de ‘rombo’ não condiz com a realidade. Já as desonerações que o governo têm feito são mais um exemplo de que a Previdência não está quebrada. Sobre a questão dos vetos é importante frisar que o Executivo quando veta esse ou aquele projeto está no seu direito, está na Constituição. Por outro lado, em 26 anos que eu estou no Congresso, nunca um veto foi derrubado. Agora, eu creio que se a analise dos vetos presidenciais fosse pelo voto aberto, tudo seria diferente. Eu tenho dito nas minhas palestras sobre o assunto que a população deve ficar se perguntando: “Afinal, o projeto não havia sido aprovado pelos parlamentares, então, por que o veto ao projeto foi aceito? Qual dos parlamentares mudou de ideia, será que foi o meu?”. Daí a importância do fim do voto secreto no Legislativo.
D.C.: A antropóloga Yvonne Maggie, professora titular da UFRJ, é contrária ao sistema de cotas raciais nas universidades públicas. Segundo ela, a entrada obrigatória de alunos pobres no ensino público superior não garante seu sucesso, pois não há no ensino superior nenhuma preocupação em formar os menos preparados e ajudá-los a adquirir a base necessária para cumprir o currículo pedagógico. Qual sua reflexão sobre essa questão?
P.P.: Primeiramente gostaria de esclarecer que a lei número 12.711 de 2012, sancionada em agosto do ano passado, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.
A lei número 12.711 não é de uso obrigatório, o candidato a utiliza se achar necessário, como qualquer lei, contudo ela estará disponível para sua utilização.
Sabemos que as instituições de ensino superior no Brasil possuem vários desafios, mas ainda são reconhecidas como espaços de excelência, e com certeza os alunos e alunas, que lá estiverem terão a oportunidade de mobilidade intelectual e social, diferente daqueles que lá não estão.
Como diz o mestre Boaventura de Sousa Santos “(…) temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades ”.
D.C.: O projeto de lei Estatuto da Pessoa com Deficiência, de sua autoria, aguarda aprovação na Câmara dos Deputados. O que mudará na vida das pessoas com deficiência com a aprovação desse projeto? E o que falta para que este projeto de lei seja totalmente aprovado e posto em prática?
P.P.: Primeiramente, o projeto original do Estatuto das Pcds apresentado na Câmara Federal quando fui deputado vem promovendo debates sobre este tema em todo o Brasil. Nestes 13 anos já foram realizados 1.168 encontros em todo o país e nos últimos 5 anos o Conade promoveu 5 encontros regionais e 3 conferências nacionais para debater e aprimorar o estatuto à luz da Convenção Internacional. O governo federal e a Câmara dos Deputados construíram uma comissão para sistematizar todas as propostas que chegaram dessas atividades e eles tem um compromisso com o Conade de entregar o resultado desse trabalho até o mês de maio de 2013. Portanto, as conquistas que o estatuto irá apresentar para a sociedade foram trabalhados por este segmento. As políticas públicas deverão garantir acessibilidade universal em todas as áreas de atuação do Estado: saúde, educação, transporte, assistência social, cultura, tecnologia, lazer, esporte, trabalho e outras.
D.C.: Os Centros de Vida Independente Brasileiros fizeram um manifesto público contra o Estatuto da Pessoa com Deficiência, afirmando que sempre houve uma luta incansável, há décadas, pela inclusão, e o Estatuto irá separar os direitos das PcD. Ou seja, o estatuto dará uma visão assistencialista e paternalista, na contramão da evolução histórica das PcD. Segundo eles, se existe a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por que essa Convenção não é regulamentada?
P.P.: Respeito a posição contrária desta entidade, mas o estatuto tem como desafio apresentar ferramentas para o protagonismo dessas pessoas como também a inclusão do estado e a sociedade para com eles e tudo que está no estatuto foi apresentado por esses segmentos. A coordenação dos debates aqui no Senado, na Câmara e na sociedade foram realizados com a participação direta do Conade. As 3 conferências nacionais realizadas nos últimos 5 anos aprovou a necessidade do estatuto à luz da Convenção Internacional.
D.C.: Qual sua visão sobre a situação da pessoa com deficiência hoje, no Brasil?
P.P.: Ao longo dessas últimas 3 décadas, a pessoa com deficiência conquistou vários direitos, mas precisamos ainda avançar muito, principalmente na melhoria dos níveis de escolaridade e na ocupação de vagas no mundo do trabalho, só pra se ter uma ideia,segundo os dados do censo demográfico, do IBGE, de 2010, 51 % das pessoas com deficiência, em idade ativa, não eram ocupadas ou não possuíam rendimento. Ainda segundo o IBGE, 61,1% das pessoas com deficiência possuíam sequer o ensino fundamental completo, o que se reflete diretamente nos níveis de rendimento dessas pessoas, segundo a coordenadora da pesquisa; de acordo com os dados 46,4% dessa população recebiam apenas 1 salário mínimo.; se for falarmos em nível superior de ensino, o percentual de pessoas com deficiência é de apenas 6,7%.
D.C.: No Brasil há muitas leis, no entanto não são colocadas em prática como deveriam. Foi aprovada a lei que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei nº 12.764), que inclusive é de sua autoria. Um estudo populacional americano demonstrou que 30% dos autistas com certo nível intelectual e tratamento precoce se tornam independentes. Além de garantir a inserção social dos autistas, essa lei assegurará políticas de saúde pública para o tratamento e diagnóstico do autismo? A Lei nº 12.764 apoiará e subsidiará pesquisas nessa área?
P.P.: Claro! A lei dos autistas surgiu de uma proposta do movimento de pais e familiares de pessoas com transtorno do espectro autista. Ela prevê o direito ao diagnóstico precoce ao tratamento, à nutrição e a pesquisa na área. Vale lembrar o importante trabalho realizado pela srª Berenice Piana.
D.C.: O projeto de Lei 277/2005, da deputada federal Rosinha da Adefal, que diz respeito à aposentadoria especial para pessoas com deficiência, não contemplou o Benefício da Prestação Continuada (LOAS). A inclusão desse benefício poderia ajudar inúmeras pessoas com deficiências graves, uma vez que uma pessoa com patologia grave nunca poderá trabalhar e sempre dependerá de familiares e/ou cuidadores. Além do que, os pais que têm filhos com esse tipo de deficiência não terão chance de trabalhar, porque dedicam todo seu tempo para cuidar dos (as) filhos (as). Vale ressaltar que não há interesse da maioria dos parlamentares em exigir do Governo Federal, a extinção do cálculo onde o beneficiário somente terá direito se a renda per capita da família for inferior a 1/4 do salário mínimo. Qual sua opinião sobre este projeto de lei? Ainda há possibilidade de alteração do texto?
P.P.: O PL 277/05 trata de aposentadoria, portanto, é assunto ligado à previdência,já o BPC é assunto da assistência social e para esta política o estatuto propõe mudança pois os debates reforçaram isto. Teremos que aguardar o resultado da comissão especial pró estatuto que está na Câmara sistematizando as propostas que chegaram do Conade, pois existem duas : uma é acompanhar o que está no estatuto do Idoso que é de um salário mínimo por pessoa carente e a outra é de 1/2 salário mínimo per capita, o que vai garantir é a pressão das entidades nessa comissão.
D.C.: Não seria muito mais coerente viabilizar planos integrados de acessibilidade, trabalho, educação, saúde, urbanização, cultura e esporte, no que diz respeito aos direitos da pessoa com deficiência? Pois além de vinculados, todos esses programas de governo poderiam ser implantados em todos estados e municípios brasileiros, teriam continuidade nos governos posteriores e resguardariam dessa forma, os direitos desse segmento. Em sua opinião por que isso não foi feito até hoje?
P.P.: Asa políticas do governo federal já vem sendo realizadas através de planos, programas, projetos e são garantidos por decretos, portarias que são instrumentos de governo para implementar essas ações. A dificuldade que existe lá nos municípios é uma ferramenta que garanta ao indivíduo acessar seus direitos e pra mim o Estatuto das Pessoas com Deficiência terá este papel, pois em algumas atividades que tivemos no interior do país o Ministério Público nestes encontros apontou esta carência, portanto o clamor pela aprovação do estatuto não é só deste movimento, mas sim de órgãos que tem a responsabilidade pra colocar em prática direitos que fortalecem a cidadania das pcds.