Atenção: seu casamento pode estar em perigo
Como o transtorno de hiperatividade atrapalha a relação,
quais são os sinais para identificá-lo e os caminhos para
reconstruir a vida a dois
Claudia JordãoDISPARIDADE
Estima-se que 80% dos portadores do distúrbio sejam homens, o que sobrecarrega a mulher na relação
Seu marido ou sua mulher esquece o que você disse no minuto seguinte?
Não se lembra de pagar as contas e de buscar os filhos na escola?
Começa uma série de tarefas, mas não conclui nenhuma? Vive de
mau humor? É possível que ele ou ela seja portador de TDAH (Transtorno
do Déficit de Atenção com Hiperatividade). E que você e seu casamento
também estejam sofrendo as consequências. De ordem neurobiológica, o
distúrbio provoca dificuldades de concentração e organização,
impulsividade e irritabilidade e atinge 5% da população. “Mesmo
com esforços, o comportamento do portador de TDAH é sempre
assim, e isso é capaz de fazer ruir uma relação”, diz o psiquiatra
americano Edward Hallowell, professor da Faculdade de Medicina
de Harvard e um dos maiores especialistas no assunto. Estima-se
que 80% dos portadores do transtorno sejam homens.
O distúrbio ganhou visibilidade por dificultar o aprendizado de
crianças na escola, mas agora começa a ser estudado com foco
nas relações conjugais por especialistas da saúde, como Hallowell.
Com a sua consultoria, a pesquisadora americana Melissa Orlov
lança no mês que vem, nos Estados Unidos, o livro “The ADHD
Effect on Marriage – Understand and Rebuild Your Relationship
in Six Steps” (Os efeitos do TDAH no casamento – entenda e
reconstrua a sua relação conjugal em seis passos). Nele, ela
auxilia os casais a identificar e a conviver com o problema.
“Quem se casa com o portador de TDAH se sente sobrecarregado,
ignorado e abandonado. E quem possui o transtorno, além de
se sentir frustrado, tem a sensação de que se casou com o
‘monstro da reclamação’, que vive criticando.” Segundo
Melissa, dividir o teto com quem tem TDAH, no mínimo,
sobrecarrega. Por exemplo: as mulheres assumem 60% das
tarefas domésticas, de acordo com um estudo americano.
Esse percentual sobe para 95% no caso de esposas de
portadores do distúrbio.
Para que a relação não seja destruída, antes de tudo,
preciso identificar o problema. O professor César Pereira,
51 anos, descobriu ser portador quando o filho, que ia mal
na escola, recebeu o diagnóstico, há três anos – o transtorno
é hereditário. Até então, o desempenho de César na vida
doméstica era um mar de frustrações. “Eu não podia
contar com ele para receber recados, fazer compras,
levar ou pegar as crianças na escola e pagar contas”,
a mulher, a professora Cecília, 49 anos. Ela conta que o
marido era muito prestativo, fazia tudo o que devia,
porém nunca no dia ou na hora certos. Hoje, César é
mais organizado, mas já chegou a esquecer o filho na
escola. “Eu também era irritado e hiperativo. E, por
de organização, fazia dívidas com facilidade.”
O diagnóstico é sempre um divisor de águas. “Quem
é portador encontra uma razão para as suas limitações.
E o seu parceiro descobre que nada daquilo é pessoal”,
diz Melissa.
Transtorno identificado, é hora de tratá-lo para viver com qualidade.
Com medicamentos e terapia (cognitiva comportamental), o portador
conquista maior poder de concentração e planejamento, além de
acalmar-se. Mas também é preciso que ele e o parceiro aprendam
a lidar com o transtorno. No livro, Melissa elenca seis passos que
podem ajudar na empreitada. Para começar, é preciso que o
casal “cultive a empatia” entre eles e “elimine emoções negativas
(como a raiva crônica)”. Na maioria das vezes, o diagnóstico é
feito com a relação já em frangalhos. “É preciso dar um basta
nas discussões e estabelecer um pacto de parceria, respeito e
compreensão”, diz Melissa. Depois, ela recomenda que o casal
“busque tratamento” e “melhore a comunicação”.
É indicado que, além do portador, o cônjuge faça terapia.
Cecília, por exemplo, encontrou forças para lidar com a
questão em reuniões da ABDA (Associação Brasileira do
Déficit de Atenção). “Também tenho os meus defeitos
e sempre conversamos muito, mas chegou um momento
em que concluímos que valia a pena procurar ajuda profissional”,
diz ela. O diálogo pode ser mais proveitoso se o casal tomar certas
iniciativas. Por exemplo, para manter o portador de TDAH focado
numa conversa, é preciso eliminar estímulos visuais e auditivos que
possam distraí-lo – uma saída é desligar a tevê. E, por último,
marido e mulher devem “estabelecer limites” e “resgatar o
romance”. “Muitos casais esqueceram o que é se divertir
juntos, algo fundamental numa relação conjugal”, diz Melissa.
PARCERIA
Fernanda assumiu o lar sem dramas e André, que tem TDAH,
vale-se do smartphone para não esquecer os compromissos
O economista André Lima e a mulher, a advogada Fernanda, ambos
de 32 anos, desenvolveram suas próprias estratégias para uma
convivência harmônica. Antes do diagnóstico, feito há sete anos,
Fernanda passava maus bocados com o mau humor de André.
“Eu tinha receio de convidar amigos para vir à nossa casa”,
diz ela. Medicado, André está mais tranquilo. Mas ela continua
hábil em evitar saias-justas. “Ainda tenho o cuidado de marcar
eventos na hora em que ele prefere e em locais que sei que gosta”,
Fernanda. Além do apoio da mulher, que notou que as tarefas
domésticas não eram o forte do marido e resolveu abraçá-las,
André desenvolveu técnicas para não se esquecer de suas
obrigações e não sobrecarregá-la ainda mais. “Tenho smartphone
há dez anos. Se ele não tocar, esqueço de tudo”, diz ele, que,
de tão preocupado em manter-se organizado, desenvolveu TOC –
Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Informação e tratamento são
importantes. Mas, como tudo no casamento, é fundamental que
cada um faça a sua parte.
CREDITO REVISTA ISTO É
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