quinta-feira, 30 de abril de 2015

Cego desde os 6 anos, noivo guiado pela sobrinha “vê” futura esposa pelas mão


E essa foi a resposta deles: o sim. De que Juliana seria os olhos de Bruno e ele, de que enxergar vai além de ver. (Foto: Deivison Pedrê)

E essa foi a resposta deles: o sim. De que Juliana seria os olhos de Bruno e ele, de que enxergar vai além de ver. (Foto: Deivison Pedrê)
Cego desde os 6 anos de idade, foi pelo toque das mãos que Bruno descobriu a vida e também o amor por Juliana. (Foto: Deivison Pedrê)
Cego desde os 6 anos de idade, foi pelo toque das mãos que Bruno descobriu a vida e também o amor por Juliana. (Foto: Deivison Pedrê)
Um casamento narrado. Desde a entrada do noivo, até a descrição do vestido da noiva. De óculos escuros e sendo guiado pela sobrinha, o advogado Bruno Duarte Mello, de 23 anos, chegou ao altar sob os carinhosos aplausos dos convidados. Cego desde os 6 anos de idade, foi pelo toque das mãos que Bruno descobriu a vida e também o amor por Juliana.
Realizado na Igreja Adventista do 7º Dia, na noite desse domingo, cada passo dos personagens desta história era narrado para que, através das palavras, Bruno imaginasse exatamente a cena. Depois da entrada dele, quem vieram foram os pais, que unidos pelo amor eram a razão de Bruno e Juliana estarem ali naquela noite. Os padrinhos foram nominados, cada um que cruzava o corredor da igreja vinha com a narração de que eles assumiam publicamente o compromisso de acolherem o futuro casal.
Noivo foi guiado pela sobrinha mais velha para "ver" a noiva antes de todos. (Foto: Deivison Pedrê)
Noivo foi guiado pela sobrinha mais velha para “ver” a noiva antes de todos. (Foto: Deivison Pedrê)
Bruno não enxerga desde os 6 anos, depois que o olho direito foi atingido por glaucoma congênito e o esquerdo, oito meses depois, sofreu descolamento de retina num acidente de bicicleta. Mesmo cego, Bruno nunca usou isso como justificativa para não fazer qualquer coisa. Pelo contrário, sempre encarou a limitação como um motivo a mais para dar sempre o melhor de si.
Conheci o noivo ainda criança. Quando Bruno entrou no colégio onde eu estudava, a mãe dele atenciosamente foi de sala em sala explicando a deficiência visual e como os colegas poderiam ajudar a guiá-lo. Bruno usava óculos de lentes marrons, redondinhos e era o menino dos olhos de toda a escola. Em parte, movidos pela curiosidade, não tinha aluno que não fosse se apresentar ao mais novo estudante. Não estudávamos na mesma sala, mas claro que fui uma delas e, com pouco tempo, ele me reconhecia pela voz.
Quando as fotos do ensaio começaram a circular pelo Facebook, me atentei que ali estava uma história de amor, de quem aprendeu a viver pela percepção e não precisou ver para enxergar o amor de sua vida. Pedi ao Bruno, numa conversa anterior à noite de ontem, que me descrevesse Juliana.
“Ela é uma pessoa super carinhosa, atenciosa. Aquelas pessoas que a gente pode dizer que tem coração mole. Que sempre quer fazer o melhor, ajudar todo mundo. O pensamento que ela tem, é o mesmo que eu tenho: de um fazer o outro feliz.
Fisicamente ela tem olhos e cabelos castanhos, é morena, de cabelos ondulados e tem um sorriso lindo. Sentir ela na igreja vai ser uma cena fantástica. Com certeza, ela vai estar linda… Ela tem um buraquinho no queixo, quando ela sorri, aparece. E eu sei que ela vai sorrir o tempo inteiro. Como eu não tenho a visão, eu consigo interpretar pela voz das pessoas como elas estão. Ainda mais ela, que a gente tem um contato muito grande”.
O sogro é quem foi até ele, deu um abraço e o trouxe para mais perto da noiva. Com um beijo na testa, Bruno cumprimentou Juliana. (Foto: Deivison Pedrê)
O sogro é quem foi até ele, deu um abraço e o trouxe para mais perto da noiva. Com um beijo na testa, Bruno cumprimentou Juliana. (Foto: Deivison Pedrê)
Bruno e Juliana se conheceram em dezembro de 2013, no casamento de amigos em comum. O primeiro contato ainda foi nos ensaios porque ele tocaria guitarra e ela, cantaria na cerimônia. No dia do “sim” dos amigos, eles conversaram a noite inteira, das 10h da noite até 3h da manhã. Pergunto como ele a conheceu, sem de fato poder enxergar. “Pelo jeito da pessoa. Você conhece pelo cheiro, pelo toque e num segundo momento, eu tenho meus amigos que eu sei que tem bom gosto, aí perguntei, né?”, brinca o advogado.
No primeiro sentir, Bruno descreve que a tocou respeitosamente com as mãos. “Ela estava com vergonha, mas sempre sorrindo. Estava super arrumada, me falou como era a sua roupa. E outra coisa que me chamou muita atenção, é que teve um momento que não tinha outra pessoa e ela teve que me guiar e quando ela foi, a atenção e o carinho que ela teve… Com o tempo, eu fui vendo o coração gigante dela”.
Durante a descrição, a voz de Bruno muda. Caminha no tom do encantamento, da fala de um noivo apaixonado. “Como a gente sabe? Realmente no primeiro encontro, eu não conhecia ela. Não sabia quem era ela, mas algo me dizia que era ela. Depois de um mês conversando, eu vi que a Juliana era uma menina diferente e a cada gesto que ela tinha isso me encantava mais. Até hoje ela me surpreende, num mundo egoísta, é raro você encontrar alguém que coloque você como prioridade”, explica.
Noivos desde outubro do ano passado, casamento sempre foi assunto entre os dois. Juliana tem 20 anos completos nesta segunda-feira, um dia depois do “sim”. Por um mês ela pensou em como seria o namoro. Foram pouco mais de 30 dias até vir a resposta para Bruno.
“Há pouco tempo ela falou que além do fato de a gente estar saindo de relacionamentos e ela estava um pouco resistente por conta disso, tinha uma insegurança da parte dela. Ela nunca tinha tido contato com ninguém que era cego e aí é natural a pessoa ficar assim… ‘Como vai ser?’ Como ela viu que seria normal, acredito que ela abriu o coração”.
Depois de todos os padrinhos entrarem, um casal de daminha e pajem também deram o ar da graça. As portas se fecharam e a ansiedade de todos já faziam com que os olhos se voltassem para a entrada da noiva. Ao som de trompetes que anunciavam a tão esperada marcha nupcial, o mesmo amigo que descrevia todo o casamento deu o sinal para que os papeis se invertessem. “Bruno, não seria justo alguém ver a noiva antes de você”.
A mesma daminha, sobrinha de Bruno, que o guiou até o altar, foi com ele até a porta da igreja. Protegido por um gazebo e cortina, Bruno pode ali “ver” Juliana a seu modo. Com as mãos ele acompanhou o que o amigo narrava. “Romântica é a palavra que define… Juliana usa um vestido de corte evasê que vai se alargando para formar a calda… É de cetim com renda, tem 2,5 mil pérolas que garantem o brilho, 3m de cumprimento tem o véu e a ternura do rosto é marcada por umamaquiagem leve…”
Quando a descrição termina, Bruno se volta para o altar e pela última vez, a sobrinha é quem guia seus passos. O sorriso dele já era outro. Antes que a igreja enxergasse, ele pode ver a noiva. Posicionado pela dama, ele aguardou Juliana entrar com o pai, ao som da marcha nupcial.
O sogro é quem foi até ele, deu um abraço e o trouxe para mais perto da noiva. Com um beijo na testa, Bruno cumprimentou Juliana.
O pastor que realizou a cerimônia fez um convite para que todos fechassem os olhos. “Te convido a conhecer a igreja do Bruno. Agora abra os olhos, esta é a igreja da Juliana”. Por minutos, a noiva foi vendada para que pudesse “sentir” o casamento como Bruno.
Na cerimônia, o pastor dizia que Juliana, a partir de agora, seria os olhos de Bruno. “E ele vai ser sua percepção. O Bruno vai te ajudar a sentir o mundo de uma maneira que você nunca sentiu”.
Antes do “sim”, Juliana fez os votos lendo a história do casal e teve a música que compôs para o noivo, interpretada na voz de uma amiga. Ela canta, mas a emoção e as lágrimas da noite não a permitiriam. O refrão dizia “meus olhos serão para sempre teus”, como quem, além de estar junto na alegria e na tristeza, jurava ser o guia de Bruno.
Em seguida foi a vez do noivo, Bruno tocou violão e cantou a música que também fez para o casamento. “Diz que para ver, não é preciso olhar. Quem foi que inventou que só os olhos podem enxergar, eu não sei. Mas Deus me faz te ver em cada sorriso, em cada gesto. Se Deus fez você para mim, quem sou eu para não dizer que sim?”
E essa foi a resposta deles: o sim. De que Juliana seria os olhos de Bruno e ele, de que enxergar vai além de ver.
Juliana, Bruno e uma história de amor: de quem aprendeu a viver pela percepção e que não precisou ver para enxergar o amor de sua vida. (Foto: Deivison Pedrê)
Juliana, Bruno e uma história de amor: de quem aprendeu a viver pela percepção e que não precisou ver para enxergar o amor de sua vida. (Foto: Deivison Pedrê)
Fonte: G1

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