sexta-feira, 17 de abril de 2015

Ao falar, bate o pé e chacoalha a cabeça: sinais de gagueira


Muitas vezes, a interrupção na fala é apenas a chamada disfluência: quando a a pessoa está falando normalmente, mas não sabe como continuar, pois não se lembra da palavra que deseja pronunciar

     Foto: Oficina de Fluência / Divulgação
Em algum momento da vida, todos já tiveram dificuldade de falar em sala de aula - seja por nervosismo ao apresentar um trabalho na frente dos colegas, ou durante uma prova oral. Uma criança ou um adolescente prolongando ou repetindo sílabas não é uma cena rara. Quando acontece, o professor pode rapidamente deduzir que se trata de gagueira, mas isso nem sempre é verdade. Na maioria dos casos, é apenas disfluência: a pessoa está falando normalmente, mas não sabe como continuar, pois não se lembra da palavra que deseja pronunciar. Doutora em psicologia social e fonoaudióloga especialista em problemas de fluência de fala, Silvia Friedman explica que diferenciar os dois casos é o primeiro passo para ajudar um aluno gago na escola.
Siga Terra Notícias no TwitterNa infância, as crianças só repetem o que os pais falam e o fazem sem errar. Quando chegam aos dois anos, já sabem a língua materna e conseguem formar as próprias frases sem realizar repetições, e vão tentando corrigi-las. Nesse processo, é natural que se hesite na hora de falar. A disfluência, contudo, pode acabar gerando uma “gagueira sofrimento”, quando a pessoa já sabe o que vai falar, mas tem medo de gaguejar e acaba travando. Silvia explica que, quando a criança começa a disfluir e os pais ou professores pedem para falar “com mais calma” ou “direito”, ela acaba tendo medo de falar e gaguejar, pois cria-se um estado psicológico que não permite que a fala siga o seu curso espontâneo.
Segundo a fonoaudióloga, o professor e os pais devem saber que a pessoa disflui em qualquer idade, e isso não é errado. “A reação do adulto pode criar na mente da criança uma angústia de falar, e aí começa a gagueira. Começa a imagem de si como mau falante. Por causa dessa angústia, a criança começa a dar uma respirada antes, colocar um “éééé” no meio, a trocar a palavra”, explica.
Caso a professora perceba que o aluno está tranquilo, mas fica um pouco nervoso ou prolonga sílabas na hora de falar, provavelmente, ele está disfluindo. Por outro lado, quando o estudante está muito nervoso e acaba trancando a fala, ou então usa truques como chacoalhar a cabeça e bater os pés na tentativa de “empurrar a palavra”, pode ser um sinal de gagueira.
Estudantes relatam falta de respeito dos colegas 
A forma como a gagueira pode se manifestar difere de pessoa para pessoa. Bianca Ribeiro, 10 anos, prefere ler do que falar em sala de aula - ainda assim, durante provas orais, não gagueja. Para a irmã, Mariana Ribeiro, 12 anos, é diferente. “Geralmente acontece quando damos respostas orais ou para perguntas particulares com os professores”, conta. O que mais incomoda as meninas na sala de aula, porém, não é a gagueira: é a falta de respeito dos colegas. “Eles imitam e dão risada”, relata Bianca. em acabar com os deboches e alertar os professores sobre o que pode deixá-las mais à vontade, as meninas criaram um projeto para falar dos mitos e verdades a respeito da gagueira onde estudam, na Escola Castanheiras em Santana de Parnaíba, em São Paulo. A ideia surgiu após elas frequentarem a Oficina de Fluência, idealizada pelas fonoaudiólogas Daniela Veronica Zackiewicz e Luciana Andrea Contesini - a primeira, diretora do projeto e mãe das meninas.
Daniela trabalha com gagueira há quase 20 anos. “No consultório, percebi que o tratamento vai muito além da clínica individual. É importante conscientizar a sociedade e fazer com que as pessoas que gaguejam se encontrem, conheçam a fundo esse distúrbio e , principalmente, saiam da condição de paciente e vítima para transformarem suas próprias vidas e a realidade em que vivem”, diz. A fonoaudióloga explica que a própria experiência de levar as próprias crianças para ensinar os professores teve uma repercussão tão grande dentro da escola que já está se transformando em outro projeto social. Para Mariana, a palestra melhorou muito a situação na escola, e ela e a irmã já planejam falar também para os colegas.
Como ajudar 
A gagueira não exige métodos de ensino específicos em nenhuma fase escolar, mas sim uma atenção especial do professor para que o aluno se sinta à vontade para falar em sala de aula. Confira, abaixo, algumas dicas da especialista Silvia Friedman.
Dar tempo ao aluno 
A criança ou o adolescente gago evita falar e fica muito tenso quando o faz. Caso isso aconteça, o professor não deve pedir que ele fale mais devagar e, sim, dar tempo para que ele fale do seu jeito. Caso os colegas imitem ou debochem, é preciso deixar claro que cada indivíduo fala de um jeito e alertar que essas ações são bullying e assédio moral. “Em qualquer fase, o professor como um agente social precisa entender que não é correto discriminar a criança quando há gagueira”, reforça.
Orientação 
Quando perceber que há em sala de aula um aluno em sofrimento, deve perguntar em particular se quer ajuda e se faz terapia. Se o estudante se mostrar aberto, o docente pode orientar sobre possibilidades de tratamento e recomendar que ele procure um especialista.
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Demonstrar interesse 
No artigo “A Gagueira e o Mito da Fluência Absoluta”, Silvia destaca que o professor não deve ignorar o que o estudante está dizendo, nem sugerir que fale de outra forma. Pode olhá-lo diretamente, de maneira acolhedora, se mostrando interessado no que diz. Depois que ele terminar, o docente não deve chamar a atenção para a forma de falar, se detendo apenas ao discurso. Além disso, nunca  deve completar palavras ou frases, a menos que a  própria criança ou adolescente o peça.
Estimular que conte histórias 
É importante estimular o estudante a falar sobre seus pensamentos, imagens, sonhos e experiências, dando todo o tempo que ele precise para tal, fazendo comentários e mostrando que reconhece o sentido do que foi dito. Em hipótese alguma o professor deve deixar que os outros estudantes interrompam o aluno gago com o intuito de calá-lo. Caso aconteça, é preciso avisar outro que deve esperar o colega terminar o que está dizendo para depois se manifestar.
Não obrigar a ler em voz alta 
A especialista afirma que é errada a ideia de que a criança irá melhorar lendo em voz alta. Como o gago fica com medo da próxima palavra quando há a obrigação da leitura em sala de aula, isso vai causar muito sofrimento. “Ler em voz alta não cria nenhuma aprendizagem que seja importante para o nosso meio sociocultural. O importante é aprendermos a ler e entender”, explica. Nesses casos, o professor deve deixar que a leitura seja espontânea, ou criar outro tipo de exercício para não deixar que o aluno gago se sinta excluído. O professor precisa permitir que a pessoa apresente trabalhos por escrito, no lugar seminários, exercícios de conjugação de verbos e provas orais, por exemplo.
Incentivar sem pressionar 
No caso de o aluno manifestar o desejo de realizar um exercício oral, o professor deve estimular, mas sem pressioná-lo. Afinal, quanto menos medo a pessoa tiver de falar, menos irá travar. Se for o caso de uma peça de teatro, deve-se respeitar caso a criança não queira participar. Contudo, se ela desejar interpretar algum papel, ótimo: muitas pessoas perdem a gagueira nesses casos, como é o caso do ator Murilo Benício.

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