POR MARINA DIAS
Na noite desta quarta-feira (3), enquanto dois protestos se cruzavam no meio da Avenida Paulista, com médicos de um lado e representantes de movimentos sociais e sindicatos de outro, um grupo de aproximadamente cem pessoas caminhava silenciosamente em direção à Rua da Consolação, em São Paulo. Entre os passos apressados, nenhum grito, nenhuma palavra de ordem.
As mãos que seguravam os cartazes com as principais reivindicações – acessibilidade e escolas bilíngues – eram também as responsáveis por indicar o caminho que deveria ser seguido pela passeata. Gestos ágeis, quase eufóricos, eram constantes para que ninguém se dispersasse.
- Somos nove milhões de surdos no Brasil e a presidente Dilma Rousseff fez dois pronunciamentos em rede nacional para falar sobre os protestos e nenhum deles tinha legenda em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Não entendemos o que ela falou e nem o que queria que a gente fizesse como cidadão. Nós somos cidadãos e também queremos um Brasil melhor -, explicou Léo Castilho, de 25 anos, surdo.
"Não à corrupção", "Não à PEC 37", "Fora, Feliciano" e outras reivindicações que apareceram nas manifestações das últimas semanas pelo país não figuravam entre os anseios do grupo. Em silêncio, os surdos pediam respeito.
Escritas com caneta piloto em cartolinas, as principais bandeiras: "Exclusão não, legenda já!", "Nós queremos ser independentes" e "Escolas bilíngues para surdos".
A dificuldade de comunicação está no cotidiano, desde as escolas e faculdades, que não estão preparadas para recebê-los, até hospitais e delegacais. Quando procuram ajuda, os surdos não são compreendidos.
- Ninguém, ou quase ninguém, entende a língua de sinais -, afirmou Lígia, estudante de Libras e colaboradora do movimento. A única não-surda entre os participantes da caminhada foi quem ajudou a reportagem de Terra Magazinecomo intérprete.
A manifestação teve o Museu de Arte de São Paulo (MASP) como ponto de partida. Foi assim também na segunda-feira (1), no primeiro ato de surdos na capital. A concetração começou às 17h e a caminhada saiu quando já escurecia na Avenida Paulista.
Os jovens eram maioria na passeata, organizada via redes sociais, assim como os outros protestos que acontecem no Brasil. No entanto, sem gritos, sem cantorias, sem carro de som. Entre os surdos, gestos, tapinhas nas costas e sorrisos.
Vez ou outra, batiam palmas, soltavam gritos com sonoridade abafada, erguiam os dois braços… Em frente.
Às 19h30, Sandro, um dos líderes do movimento, gesticulou com as mãos para o alto, pedindo a atenção de todos. Virou-se para Lígia e apontou para a reportagem:
- Não gostamos de ser chamados de surdos-mudos – disse, com centenas de observadores assentindo – Não somos mudos e estamos aqui justamente para mostrar que temos voz.
Sandro gesticulou mais uma vez. Em resposta, gritos, urros, palmas. Foram quase dois minutos sem interrupções.
- Viu só? Essa é a nossa voz.
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