domingo, 6 de junho de 2010

INCLUSÃO POR PAULA WERNECK

Inclusão sem distinção!
> >
> > Revista Pais & Filhos
> > Claudia Werneck
> > ELA JÁ FOI JORNALISTA DA REVISTA PAIS E FILHOS, ONDE ESCREVEU UMA MATÉRIA
> > SOBRE SÍNDROME DE DOWN PELA QUAL FOI PREMIADA, E HOJE É UMA DAS MAIORES
> > ESPECIALISTAS BRASILEIRAS EM INCLUSÃO
> > Por Larissa Purvinni, mãe de Carol, Duda e Babi
> > Mãe de Diego e Talita, jornalista e escritora, ela é uma das maiores
> > especialistas brasileiras em inclusão. Claudia começou a trabalhar com o
> > tema em 1992, quando foi visitar o filho de uma conhecida e soube que ele
> > tinha Síndorme de Down. Jornalista da Pais e Filhos na época, ela se
> > surpreendeu com o próprio desconhecimento. A partir da experiência, não
> > parou mais de pesquisar. Fundadora da Escola de Gente, afirma que inclusão
> > significa entender a diversidade como um valor inquestionável e garantir o
> > exercício dos direitos humanos para pessoas com e sem deficiência desde a
> > infância. No `todos´ dela, cabe todo mundo mesmo. E no seu?
> >
> > Por que decidiu trabalhar com inclusão?
> > Em 1991, eu era chefe de reportagem da Pais e Filhos. Um dia, o meu filho
> > mais velho, Diego, na época com 7 anos, me pediu para ir visitar o
> > irmãozinho recém-nascido de um colega seu da escola. Hesitei, porque não
> > conhecia a família, mas Diego insistiu. Eu comprei uma lembrancinha,
> > telefonei marcando a visita e fui. Chegando lá, ao me debruçar para conhecer
> > o pequenino Artur, dormindo no berço, ela me disse: "Você viu? Ele nasceu
> > com Síndrome de Down". Ao saber que eu era jornalista, a mãe, Maria Helena,
> > me pediu ajuda para saber quem era aquele filho que havia chegado. Andaria?
> > Casaria? Aprenderia a ler? Informações sobre Síndrome de Down eram raras.
> > Prometi ajudá-la. Naquela noite, não dormi, perplexa e envergonhada com o
> > meu despreparo para lidar com o assunto. O fato é que o pedido reacendeu meu
> > ideal de infância, quando já compartilhava com o meu pai, historiador, o
> > desejo de ser jornalista para disseminar uma causa. Mas, até então, nenhuma
> > causa havia realmente me mobilizado.
> >
> > E você escreveu uma reportagem para a Pais e Filhos sobre o tema?
> > Sim, com essa matéria, publicada em agosto de 1992, ganhei menção honrosa
> > no I Prêmio Associação Médica Brasileira de Jornalismo sobre Saúde, da
> > Associação Médica Brasileira. Mas antes mesmo do
> > prêmio, e cada vez mais impressionada com o que estava descobrindo sobre o
> > que é viver neste planeta com uma deficiência intelectual, decidi escrever
> > um livro, o Muito Prazer, Eu Existo, lançado no mesmo ano, e que se tornou o
> > primeiro livro sobre Síndrome de Down para leigos no Brasil. O meu objetivo,
> > com esse livro, era reapresentar pessoas nascidas com Síndrome de Down à
> > sociedade. Por conta dele, recebi mais de 3.000 cartas e centenas de
> > telefonemas. Passei a dar palestras pelo Brasil e em outros países.
> >
> > Sua família a apoiou?
> > Contei com o apoio incondicional da minha família: mãe, pai, filhos(as) e
> > marido. A postura do Albertinho foi decisiva para que eu superasse os
> > obstáculos, porque, mesmo o livro tendo sido um sucesso, eu me sentia
> > excluída e era criticada, pois, para o senso comum, era estranho ver uma
> > jornalista especializada em Síndrome de Down, deficiência, inclusão... Era
> > como se essa especialidade, ao contrário de gastronomia, política ou
> > futebol, não tivesse qualquer sentido ou importância... Para os meus amigos
> > jornalistas, eu deixara de ser jornalista. Para os médicos e educadores, era
> > uma intrusa. Para os profissionais da literatura, eu não fazia literatura.
> > Entendi: quando se defende um assunto sobre o qual o nível de exclusão é
> > muito grande, vivemos a exclusão do que defendemos.
> >
> > Como foi escrever para crianças?
> > Foi ainda mais difícil quando decidi escrever sobre Síndrome de Down para
> > crianças, em 1994, criando os primeiros livros infantis da literatura
> > brasileira com personagens humanos com deficiência. Esses livros passaram a
> > ser retirados de concursos literários sob a alegação de que o tema
> > deficiência não era universal, de interesse para a formação de crianças e
> > adolescentes. Mais conflito. Assim, de vários modos, fui aprendendo sobre a
> > solidão e as necessidades de algumas populações, principalmente de pessoas
> > com deficiência de populações de baixa renda. E pude testar os limites da
> > profissão. Finalmente eu exercia o jornalismo com o qual sonhara desde a
> > infância.
> >
> > E quando você criou a Escola de Gente?
> > Em 2002, criei, com outros ativistas e especialistas em inclusão, a
> > organização da sociedade civil Escola de Gente - Comunicação em Inclusão. A
> > partir da Síndrome de Down, dei início ao maior processo de reinvenção da
> > minha vida, pesquisando interfaces do tema inclusão, deficiência e
> > diversidade com os direitos humanos, a juventude, a literatura, o controle
> > social, os orçamentos públicos, a democracia, a educação, a legislação...
> >
> > Fale um pouco sobre o trabalho de vocês.
> > Temos projetos que envolvem a formação de jovens Oficineiros da Inclusão,
> > de artistas como o grupo Os Inclusos e os Sisos - Teatro de Mobilização pela
> > Diversidade, de especialistas em políticas de comunicação, cultura,
> > juventude, educação, sempre na perspectiva da acessibilidade, da deficiência
> > e da inclusão. De 2003 a 2009, sensibilizamos mais de 115 mil pessoas
> > diretamente em 13 países da América, Europa e África por meio de programas
> > de rádio, publicação de livros, CDs, vídeos, palestras, oficinas,
> > apresentações de teatro e outras atividades, muitas realizadas dentro de
> > escolas públicas. Somos especialistas em acessibilidade na comunicação e
> > nossos livros, espetáculos teatrais e vídeos têm intérprete de Libras,
> > audiodescrição e legenda. Para quê? Para garantir o direito à participação
> > de pessoas analfabetas, com sequelas de AVC, dislexia, deficiências
> > intelectual, sensorial, física ou motora, entre outras situações. Não
> > adianta apenas tratar com educação, respeito, amor e carinho. É preciso dar
> > condições de participar.
> >
> > Hoje o preconceito contra as crianças com necessidades especiais é menor?
> > "Necessidades especiais" não é sinônimo de "deficiência". São dois
> > conjuntos diferentes, que algumas vezes conversam, outras não. Essas
> > interfaces existem dependendo do tipo de limitação que cada pessoa tem, se é
> > temporária ou não, e, principalmente, do grau de acessibilidade e de
> > possibilidades ofertadas pela sociedade, a escola, a família, enfim, para
> > que esta pessoa possa exercer seus desejos, sua autonomia e seus direitos.
> > Um ser humano pode ter necessidades especiais e não ser alguém com
> > deficiência. A pergunta é importante, porque nos dá chance de dizer que não
> > há por que termos "constrangimento" em usar a palavra deficiência. Parte
> > desse pudor, eu creio, vem do fato de imaginarmos que deficiência seja o
> > contrário de eficiência, mas não é. O contrário de eficiência é
> > ineficiência. A deficiência é uma condição humana, natural, da vida, da
> > espécie Homo sapiens, a nossa!
> >
> > E o preconceito, diminuiu ou não?
> > Sobre o preconceito, acho que, aparentemente, diminuiu; mas a visibilidade
> > do tema hoje, na mídia, a forma como já circula em determinados espaços do
> > cotidiano - mesmo reproduzindo conceitos do passado -, acaba interferindo
> > bastante na percepção do que realmente se passa no íntimo de cada pessoa. O
> > preconceito diminuiu ou já não se tem mais coragem de admitir certos
> > pensamentos em público, apenas por uma decisão politicamente correta? O fato
> > de a imprensa abrir espaço não significa que o preconceito tenha diminuído.
> > As matérias sobre educação reproduzem a mais antiga das pautas, a de "ouvir
> > os dois lados", entre quem é a favor da escola especial e quem é a favor da
> > escola regular. Essa pauta contraria as políticas educacionais brasileiras
> > e, no entanto, parece atualíssima, porque combina com o que a sociedade
> > gosta de ler. São abordagens que acalentam o coração de quem não quer mesmo
> > contribuir para que o Brasil melhore a qualidade de sua educação pública.
> >
> > E como conseguir isso de fato?
> > Todas as crianças devem estar juntas, na mesma escola, na mesma sala de
> > aula, com colegas de idade similar. Escola que deve oferecer recursos para
> > atender a suas necessidades específicas: estudantes com altas habilidades,
> > doença renal, dislexia, com hiperatividade, surdez, depressão, enfim,
> > qualquer criança. Recebo e-mails de famílias com filhos e filhas com
> > deficiência, que contam como suas crianças e adolescentes foram impedidos de
> > entrar nas escolas regulares perto de suas casas. O perigoso é que essa
> > negação passou a ser feita de forma mais sutil, a ponto de, muitas vezes,
> > ser difícil denunciá-la. Não sei no que avançamos mais: no combate ao
> > preconceito ou na arte de disfarçar nosso ímpeto de negar alguns direitos a
> > pessoas com deficiência.
> >
> > Para você, o que seria uma escola realmente inclusiva?
> > Vou usar a definição do meu livro Sociedade Inclusiva. Quem Cabe no Seu
> > TODOS?. Escola inclusiva é o lugar onde as gerações se encontram, se
> > entendem e se reconhecem como parte de um TODO humano, social e indivisível,
> > no qual desenvolvem, juntas, a técnica, a intuição, a flexibilidade e a arte
> > de formar e de testar, entre si, modos de atuação conjunta indispensáveis
> > para o futuro da nação. Nesta proposta de escola, as dificuldades e as
> > limitações de cada estudante (reais, temporárias ou não) funcionariam como
> > um estímulo para o enfrentamento dos desafios da vida comunitária, que
> > seguramente transcendem os limites do ensino que as salas de aula hoje
> > oferecem a seus alunos e alunas. A escola inclusiva é a escola que é
> > percebida como um bem público, porque não admite qualquer tipo de
> > discriminação.
> >
> > Como você avalia a legislação brasileira sobre a educação inclusiva?
> > O Brasil tem uma política educacional claramente inclusiva, mas ainda é
> > custoso implementá-la, porque a expressão "escola inclusiva" tem sido usada
> > de forma muito leviana. Para quem não acredita na escola inclusiva como a
> > única capaz de formar cidadãos conscientes e aptos a lidar com a
> > diversidade, qualquer diversidade, sem compará-la ou julgá-la, não há lei
> > que dê conta. Muitos gestores e professores falam de diversidade, mas, no
> > fundo, há um acordo implícito entre a escola e grande parte dessas famílias:
> > falam de diversidade, mas não de estudantes com alguns tipos de deficiência.
> > Escolher a diversidade da infância, hierarquizar diferenças, ordenar o que
> > jamais poderá e deverá ser ordenado - as infinitas formas da humanidade
> > existir -, comparar crianças atribuindo-lhes valores e títulos, nada disso é
> > inclusão. E, sim, violação de direitos humanos.
> >
> > Você diferencia integração e inclusão. Qual a diferença?
> > Certamente. Integração é o processo que, lamentavelmente, ainda vivemos
> > hoje, no qual as pessoas que se consideram em vantagem por qualquer razão
> > (sem deficiência, por exemplo) decidem quando, como e em que percentual
> > pessoas que lhes parecem em desvantagem (pessoas com deficiência, por
> > exemplo) devem ter acesso e participar dos processos universais e gerais,
> > como a escola, o trabalho, uma reunião no sindicato, uma peça de teatro...
> > Na inclusão, entendemos que todo o sistema está inadequado (como a escola
> > brasileira...) e que é preciso revê-lo para que consiga se sustentar e se
> > tornar útil a todas as pessoas e a todos os sistemas. Incluir não é,
> > portanto, colocar para dentro quem está fora, porque aí partiríamos do
> > princípio de que "dentro" está ótimo - e não está.
> >
> > Muitos setores criticaram a decisão de considerar que a escola especial
> > ainda pode ser necessária em alguns casos. Na sua opinião, precisa acabar
> > com a escola especial ou ela pode ser útil em alguma circunstância?
> > Estamos em 2010 e tudo no mundo vem sendo resignificado em uma velocidade
> > absurda, felizmente, também no que se refere à educação especial. A
> > Constituição brasileira define que crianças com deficiência são sujeito de
> > todo e qualquer direito, como o acesso à educação básica na escola regular.
> > Além disso, outros decretos e leis foram assinados no Brasil nos últimos
> > anos e deram ainda mais luz a esse princípio, como a Convenção sobre os
> > Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, primeiro tratado de direitos
> > humanos a ter valor constitucional no país. Nesse contexto, as escolas
> > especiais têm uma função bem definida: não substituem a escola comum, mas,
> > sim, prestam o atendimento educacional especializado, complementar à
> > escolaridade, a alunos e alunas que estejam em escolas comuns. Uma criança
> > que estude apenas em uma escola especial está fora da escola pela legislação
> > brasileira.
> >
> > As escolas regulares estão preparadas para receber as crianças com
> > necessidades especiais?
> > Dizer que as escolas não estão preparadas é verdade, porque não estão
> > preparadas para a maioria das crianças, incluindo as sem deficiência. Mas é
> > um risco pensar assim. A frase é inspirada numa falsa crença, que nos
> > garante ser possível esperar um pouco mais para que crianças com deficiência
> > vivam com dignidade neste país. Que dor! Ouço essa mesma frase desde 1992.
> > Ela distorce a realidade e nos impressiona e mobiliza apenas porque é
> > conhecida, e tudo que a nossa mente e o nosso coração já conhecem se torna
> > altamente confortável quando ouvido ou lido novamente. Essa frase nos faz
> > desperdiçar tempo e energia. Tempo de crianças que estão sem acesso à
> > escola, sem o direito de serem percebidas pela sua geração como parte
> > legítima dela. Não se faz inclusão no abstrato, apenas no concreto, no dia a
> > dia, com a presença de todas as diferenças no ambiente real.
> >
> > Tem parentes crianças com necessidades especiais, alguma história familiar
> > nesse sentido?
> > Tenho um sobrinho, o Iuri, filho do meu irmão, e também meu afilhado, que
> > tem uma síndrome genética raríssima. Iuri nasceu cinco anos após eu ter
> > começado a me interessar pelo tema Síndrome de Down e deficiência em geral,
> > quando já havia escrito cinco livros. É significativo ter uma pessoa com
> > deficiência na família, muda a consciência do que se vive, do que se
> > pensa... Mas talvez porque o meu interesse pelo tema não tenha se iniciado
> > por razões pessoais, ele continue sendo pautado no ativismo social. O meu
> > sobrinho e afilhado Iuri é mais uma criança sem acesso a direitos em nosso
> > país.
> >
> > Algumas escolas começam a ensinar linguagem de sinais ou alfabeto braile
> > para as crianças, mesmo que não haja alunos com necessidades especiais na
> > sala. Essas iniciativas são positivas?
> > A terminologia correta é Língua de Sinais Brasileira, a Libras. Sobre essa
> > iniciativa, ela é importante, mas sempre que contextualizada no universo da
> > verdadeira inclusão, o que envolve analisar ação e intenção. Inicialmente,
> > eu questionaria a ausência de estudantes cegos e surdos na escola. Não
> > parece contraditória a iniciativa das escolas com a ausência desses
> > estudantes? Será que nunca foram procuradas por famílias de crianças com
> > deficiência? Por que as escolas tomaram a decisão de oferecer braile e
> > Libras? De que forma esse aprendizado é oferecido? Com que frequência? No
> > turno? No contraturno? São inúmeras as perguntas que eu teria de fazer antes
> > de responder a essa pergunta. Um dos meus livros se chama Ninguém Mais Vai
> > Ser Bonzinho, na Sociedade Inclusiva, foi escrito em 1997, e justamente se
> > refere ao cuidado que devemos ter para não nos deixarmos emocionar por ações
> > que parecem inclusivas, mas podem ser nada inclusivas.
> >
> > Você acrescentaria algum direito à Declaração dos Direitos da Infância?
> > Sim, acrescentaria: toda criança tem o direito de conhecer a humanidade
> > como ela realmente é, e não como os adultos gostariam que fosse.
> >

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