domingo, 24 de outubro de 2010

CONVERSANDO SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Marina S. Rodrigues Almeida

Aonde não exista afeto de fato não há relação humana possível e portanto não haverá Inclusão
Foi somente no fim do século XIX quando, diante das radicais mudanças sociais rumo a modernidade instaura-se a escolaridade obrigatória.
De fato, o desenvolvimento humano passou a ser avaliado a partir de parâmetros inéditos e novos comportamentos começaram a ser exigidos.
A Educação Inclusiva não surgiu ao acaso, ela é um produto histórico de uma época e de realidades educacionais contemporâneas, uma época que exige que nós abandonemos muitos dos nossos estereótipos e preconceitos, na identificação do verdadeiro objeto que está sendo delineado.
A Psicanálise, quando de seu surgimento, tentava resgatar o sujeito histérico da exclusão social, na medida em que possibilitava que os sintomas fossem escutados e entendidos  para além de seu encobrimento pelo mal estar físico.
No paradigma da Inclusão proponho o mesmo modelo, escutar pais, educadores e alunos, de maneira que o sentido seja entendido além de seu encobrimento pelo mal estar da deficiência permanente ou temporária e suas vicissitudes envolvidas.
Um paradigma é um modelo mental, uma forma de ver o mundo, um modelo de referência, filtrando outras percepções, conteúdos determinados, etc. Ele estabelece, em suma, um modelo de pensamento e/ou de crenças através do qual o mundo pode ser interpretado.
Para WINNICOTT o modelo de prevenção inicia-se pelo conceito de preocupação materna primária, o autor descreve como sendo as primeiras atitudes  que a mãe inicia ao planejar a inclusão do projeto  bebê/filho e posteriormente todos as demais providencias durante a gravidez. As condutas prévias de cuidados, proteção, fantasias destrutivas e amorosas começam a partir deste percurso. Neste momento as fantasias podem ser elaboradas positivamente, favorecendo a criação de um espaço interno imaginário (na mente  materna primeiramente) para depois aparecer um espaço externo real, aonde este ser humano será incluso e aceito. Portanto, antes que exista o bebê concreto ele já está vivo na mente da mãe, vai ocupando e conquistando um lugar de identidade. Neste espaço imaginário, a mãe pode odiar seu bebê antes mesmo que ele a odeie, porque ao permitir a entrada do novo, do desconhecido do diferente e talvez “deficiênte” (quando há presença de sentimentos persecutórios constantes), fere nosso narcisismo (nossa imagem de espelho perfeita e ideal). Ao mesmo tempo que alimenta as fantasias do igual e perfeito, aparece a ambivalência dos afetos: é a vez da luta entre amor e ódio, bem e mal, perfeito e imperfeito, aceitar e rejeitar, etc…
Este pressuposto teórico  nos ajuda a compreender esta dinâmica relacional humana entre a maternagem  imaginária e maternagem ambiente que pode acolher ou excluir: a  força dos afetos destrutivos, aparecem através dos conflitos, que são projeções de  fantasias destrutivas e perigosos,  a defesa é o afastamento, a rigidez, o impedimento, e o distanciamento do outro, que pode ser o bebê ou o portador de necessidades especiais. Consideramos que poderão estar neste inter-jogo emocional outras demandas ( individuais, culturais, etc…) não pretendemos aqui ponderar de forma reducionista, apenas olhamos esta situação por um vértice.
Se as instituições sociais, escolares, familiares, etc.. quiserem se constituir como espaços que acolham as diferenças a meta não deve ser necessariamente enquadrar, mas sim ajudar o “diferente” a encontrar um lugar social, escolar, etc… produtivo da maneira que lhe for possível, ou ainda, auxiliá-lo a encontrar respostas por diversas vias, através de outras formas de conhecer. O que chamamos de preocupação materna primária , numa metáfora para a escola, os professores  e funcionários se prepararem para receber o aluno incluso. Lembremos que o desafio psicanalítico foi, desde o início, propiciar a escuta das diferenças e contribuir para que o sujeito possa encontrar seu bem estar dentro delas.
Trabalhar com o portador de necessidades educacionais especiais exige a disponibilidade  (interna e externa – maternagem imaginária  e maternagem ambiente suficiente) da equipe administrativa escolar, disponibilidade do educador, dos pais e do aluno.
Acredito que talvez seja possível estabelecer um lugar, um espaço intermediário entre a escola comum e a escola especial ou classe especial, com todas suas implicações institucionais, pedagógicas e sociais.
O referencial Inclusivo está sendo entendido por mim como um lugar que deverá ser construído gradativamente antes de se construir um cidadão. A Escola Inclusiva deve tentar auxiliar, na medida do possível, a constituir um sujeito cidadão, para uma SOCIEDADE PARA TODOS.
Incluir é criar, criação  no sentido  das intersecções de afetos, áreas, valores, conceitos, saberes e pessoas.
Precisamos rever nossa necessidade de desejar o outro conforme nossa imagem, mas respeitá-lo numa perspectiva não-narcísica, ou seja, aquela que respeita o outro, o não-eu, o diferente de mim, aquela que não quer catequizar ninguém, que defende a liberdade de idéias e crenças.(FREUD, 1914)
Precisamos nos atentar para  o fato do portador de necessidades especiais estar incluso não o transforma em “normal” no sentido de que suas peculiaridades estejam superadas, pelo contrário ele continua com suas limitações que deverão ser respeitadas e atendidas. Neste momento entra a capacidade afetiva e pedagógica do educador de perceber estas sutilezas.
FREUD (1913) já dizia que a Pedagogia, a Política e a Psicanálise eram profissões do impossível, porque precisamos nos deparar com as limitações com o “desejo do outro”, justamente quando isto não acontece as formas de massificação e autoritarismos são instauradas, para impor o saber pela força,  então encontramos uma ilusão de saberes!
Para que tudo isto se modifique, não basta apenas nós trabalharmos com os conteúdos cognitivos/informativos no processo de formação dos educadores para o paradigma da Inclusão, pois se eles não tiverem o desejo do saber instaurado, por mais conteúdos que  possamos lhes dar, permanecerão na mesma posição. Acreditamos que devemos sempre estar atentos com o fato da impossibilidade, porque para aprender é necessário que a experiência seja resignificada, posteriormente a tomada de consciência, que será sempre incompleta e parcial. (LAJONQUIÈRE, 1999)
O que torna uma aprendizagem livre é a possibilidade da presença da confusão, do  inesperado, porque derruba a teoria, abre para a reflexão e leva a modificação da práxis, este é o maior medo dos professores, e cujo lugar se encaixa o paradigma da inclusão com a entrada do portador de necessidades educacionais especiais. (SEN  1999)
A Psicologia Social vem nos ajudar a compreender a identidade dos seres humanos como sendo atribuições de predicados e adjetivos atribuídos pelo grupo social. No caso do portador de necessidades educacionais especiais, ele carrega um estigma social, bem como tantos outros grupos marginalizados pela sociedade. Entretanto, é importante lembrar que o indivíduo não é apenas algo que lhe atribuem, mas também o que faz e como faz.
Compreendemos a identidade do portador de necessidades educacionais especiais, no paradigma da Inclusão tendo a possibilidade de pensar, de ser e de  fazer, resignificando sua identidade através do convívio na diversidade. (HALL, 1997)
O portador de necessidades educacionais especiais não deve então ser visto isoladamente, mas como um ser em relação e portanto nas relações sociais  que o aluno deverá estar envolvido, sua identidade poderá ser resignificada  e concretizada de maneira positiva.
Para uma Inclusão bem sucedida tanto depende do desejo do professor, dos pais assim como do desejo do aluno querer fazer ou não esta mudança.
O poder das políticas públicas poderá contribuir para criar espaços, assegurar direitos e deveres, promover projetos mais eficientes, mas não dá garantia nenhuma sobre uma verdadeira inclusão  entre pessoas se de fato não nos envolvermos. Envolver dá trabalho, leva a responsabilidade e compromisso, é caminhar a passos curtos.
“Aonde não exista afeto de fato não há relação humana possível e  portanto não haverá Inclusão”

Marina S. Rodrigues Almeida - PSICÓLOGA, PSICOPEDAGOGA E PEDAGOGA. Consultora em Educação Inclusiva Instituto Inclusão Brasil

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