quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AUTISMO UNIVERSO AO MEU REDOR



Ter um filho autista não é culpa dos pais. Mas é preciso estar atento, já que, quanto mais cedo a doença for diagnosticada, melhor



Por Thais Lazzeri. Fotos Manoel Marques



Galeria de fotos: Imagens dos famosos com seus filhos autistas




Rafaela tem 3 anos e, acompanhada por fonoaudiólogo e terapeuta, já consegue reconhecer os pais

Nem os chamados da mãe faziam a pequena Rafaela sair do seu mundinho. Com 1 ano e 3 meses, ela começou a mudar de comportamento e deixou de se comunicar. Ainda batia palmas quando via um comercial na televisão, andava de um lado para outro, mas agia como se não conseguisse ouvir os pais e não emitia palavra nenhuma. Com poucos meses de vida, Jaqueline também passou a se comportar de forma diferente dos demais bebês. Demorou para sentar, falar, andar. Tanto Danielle Nery Lins, mãe de Rafaela, quanto Nilvana dos Santos, mãe de Jaqueline, percorreram uma infinidade de médicos à procura de respostas.



Danielle ouviu o diagnóstico de que sua filha era autista há um ano, quando a menina tinha 2. Nilvana só descobriu o que acontecia com a sua quando ela tinha 5, em 2002. Apesar da aparente semelhança entre os casos, o que fez diferença foi a idade em que as meninas começaram a ser tratadas. 'O diagnóstico antes dos 3 anos de idade dá mais possibilidade de modular e interferir na estrutura do cérebro da criança', diz Adailton Pontes, neurologista infantil do Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz, em São Paulo. 'Se a doença é descoberta tardiamente, a criança pode não aprender a falar ou ter mais dificuldade para ter autonomia, por exemplo', afirma o psicanalista infantil Estevão Vadasz, coordenador do Projeto Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP).



Danielle deixou o emprego para se dedicar a Rafaela. Ela não sabia o que era a doença nem que a filha, estimulada, poderia um dia interagir com os pais. 'Minha filha não dizia nada, não se comunicava', diz. A menina ainda não fala direito, mas vai à terapia e ao fonoaudiólogo e mostra progressos rápidos: passou a se comunicar com os pais, largou a fralda diurna, vai ao banheiro sozinha e sabe mexer no aparelho de DVD. 'Ela está se desenvolvendo bastante.' Jaqueline acompanha a mãe ao supermercado e ajuda nos cuidados da casa. 'Tudo o que queria que minha filha fizesse, ela faz. Demorou mais, porque o diagnóstico foi tarde, mas deu certo', diz Nilvana. A primeira pergunta que fez ao saber da doença foi: ela vai morrer? Ao saber que um autista sem outros problemas vive tanto quanto alguém que não tenha a doença, ela decidiu acompanhar o tratamento da filha e também parou de trabalhar. Optou por deixar Jaqueline em uma escola regular. Apesar de não demonstrar muito interesse pelas aulas e de apresentar dificuldade com as letras, a menina foi alfabetizada.



Quanto mais cedo a doença é detectada, mais possibilidades a criança tem de se desenvolver. Por conta disso, a comunidade científica tem como objetivo especificar as causas da síndrome e reduzir o diagnóstico para 1 ano de idade. Pesquisadores do Instituto Kennedy Krieger, em Baltimore, nos Estados Unidos, avaliaram bebês do 14º ao 36º mês e descobriram que ao menos metade das crianças com autismo poderia ser reconhecida no primeiro ano de vida.



O que faz desse processo uma batalha é a complexa estrutura da doença, um transtorno definido pela presença de desenvolvimento anormal ou parcial da interação social e pelos problemas de comunicação, além da presença de um comportamento restrito e repetitivo. O autismo não tem uma causa definida, podendo ser desde uma inflamação que ocorre no sistema nervoso do feto durante a gravidez, ainda sem explicação científica, até a herança genética. Neste caso, os traços do autismo podem estar em vários membros da família. A doença, em alguns pacientes, também é acompanhada de outra síndrome associada, como Down ou X-frágil.



A única certeza é que os pais não têm culpa do filho ter nascido autista. Quando a doença foi descoberta, a psicanálise culpava a família pelo transtorno. Diziam que era o modo de vida e a maneira como cuidavam da criança que causava o autismo. A ciência descobriu, depois, que essa não é uma doença psicológica.



Sem um diagnóstico clínico preciso, é difícil saber a quantidade de autistas no mundo. No Brasil, por exemplo, fala-se em 170 mil. Mas os números são subestimados. Calcula-se que 1 milhão de brasileiros tenha algum grau da doença, que possui dezenas de subtipos. É esse grau que determina que habilidades uma pessoa com autismo conseguirá desenvolver quando estimulada. Segundo os especialistas, 30% das crianças terão um bom desenvolvimento intelectual, podendo entrar na faculdade, conseguir emprego, dirigir. A escola regular, no entanto, não vai ser a melhor opção em todos os casos porque a criança autista precisa de atenção especial. A decisão pelo tipo de colégio, ou até por aulas particulares, deve ser tomada pela família em conjunto com o médico.















Rafaela adora fazer bagunça em seu quarto, que é cheio de brinquedos com luzes e sons para estimular a comunicação. Em alguns momentos, ela se concentra

e parece viajar até seu mundo particular


AUTISMO




Pesquisas para uma vida melhor



Por Thais Lazzeri. Fotos Manoel Marques













Galeria de fotos: Imagens dos famosos com seus filhos autistas







Para melhorar a qualidade de vida de quem tem autismo, o investimento na área vem crescendo. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, destinou US$ 1 bilhão para pesquisas sobre a doença. Lá, o gasto anual com a prevenção e o tratamento, que é multidisciplinar, está em US$ 30 bilhões por ano. O Ministério da Saúde no Brasil informou que não tem dados sobre os recursos repassados para tratamento aqui porque o atendimento ao autista ocorre em diversos centros.



Mesmo sem um programa oficial que estimule a pesquisa sobre o assunto, há estudos importantes sendo feitos no Brasil. No Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, os médicos estão conduzindo um sobre genética e células-tronco. O psicanalista Estevão explica que a célula é retirada do dente de leite das crianças autistas para, a longo prazo, ser possível a criação de neurônios com o transtorno em laboratório. Assim, os pesquisadores poderão verificar como esses neurônios funcionam e, quem sabe, chegar a novos tratamentos.



Outro estudo brasileiro tenta diminuir a dificuldade que os autistas têm de interagir com outras pessoas. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz estão avaliando o papel da ocitocina, hormônio usado para induzir o parto, que poderia diminuir o isolamento social.



Como os autistas não atuam bem socialmente, eles concentram suas energias em outras áreas, como aquelas em que seja possível estabelecer rotina. Alguns indivíduos, eventualmente, desenvolvem interesses e habilidades em alguma área específica, como a de exatas. A engenheira e bióloga norte-americana Temple Grandin, 60 anos, autora de diversos livros sobre autismo (um deles é Uma Menina Estranha - Autobiografia de uma Autista) é um exemplo disso. Ela trabalha projetando equipamentos para ordenha e abate do gado, apesar de só ter conseguido apertar a mão de uma pessoa com mais de 30 anos.



O psiquiatra infantil Marcos Tomanik Mercadante, professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vê no desenvolvimento dessas habilidades um grande desafio. 'Precisamos estimular o cérebro das crianças com autismo para que aprendam coisas úteis o mais cedo possível', afirma. Estevão traduz o desafio: 'Eles têm ilhas de habilidade em um mar de deficiências.' É preciso, então, conseguir chegar até elas.

Preste atenção

Estas mudanças comportamentais são comuns em autistas, mas não é necessário que a criança apresente todas para ter a doença. O inverso também vale: uma criança que tenha alguns não é necessariamente autista. O importante é ver a freqüência com que acontecem e procurar um médico. Quem dá o diagnóstico é o especialista.

- Apresentam alteração no sono

- Têm hábitos alimentares seletivos, com restrição à consistência

- Não olham na mesma direção que os outros

- Não se jogam no colo da mãe quando ela estende os braços, por exemplo

- Mexem os dedos em frente aos olhos

- Têm aversão ao contato físico e tendência a se isolar

- Podem ter hipersensibilidade auditiva

- Não gostam de ambientes com muita gente

- Usam outras pessoas como ferramentas, como pegar a mão de alguém para

abrir a porta

- Cometem auto-agressão

- Objetos que produzam movimentos repetitivos captam a atenção, como ventiladores

- Movimentam antebraços e mãos (flapping)

Fonte: Estevão Vadasz, do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP

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