Entrevista com o Dr. Juan Llerena
Ruth de Aquino
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Dr. Juan Llerena, médico com especialização em genética em Londres, mestrado e doutorado na UFRJ, tem 54 anos, é casado, tem dois filhos, Lucas e Nicholas, 13 e 8 anos. É chefe do Departamento de Medicina Genética do Instituto Fernandes Figueira (IFF), uma unidade materno-infantil da fundacão Oswaldo Cruz. O departamento foi fundado em 1961 pelo médico José Carlos Cabral de Almeida.
ÉPOCA - Os bebês nascem com diferentes gradações da Síndrome de Down? Por que uns têm mais dificuldades de aprendizado e de fala do que outros? Há pianistas, desportistas, e há os mais apáticos e menos desenvolvidos...
JUAN LLERENA – Não existem diferentes gradações da síndrome. Ou o bebê nasce com Down ou não. Mas, é claro, existe uma herança genética ; não se pode ignorar a herança do pai ou da mãe ou dos avós. O arcabouço genético dos bebês Down nunca é o mesmo. Existe ainda a questão nutricional da mãe. A coisa é muito simples: o meu filho de dois meses sempre será diferente do seu. Ou seja, seu potencial na vida, além de depender de uma estimulação precoce, dos tratamentos corretos, e de acesso à educação, será associado aos genes herdados dos pais.
ÉPOCA - Quais são as conseqüências da SD para uma criança?
LLERENA – Bem, um terço não chega a nascer; a seleção natural interrompe a gestação. Ao nascimento, um grupo será inteiramente normal, sem doença do coração, intestinal, ou anatômica. Somente as características físicas nesse caso permitem a um bom neonatologista diagnosticar, com 95% de precisão. As verdades encurtam os caminhos, doem menos. Mas o exame definitivo todos terão que fazer, o cariótico, que é um estudo dos cromossomos. A partir do diagnóstico, passamos a tentar conhecer ao máximo essa criança. Avaliação visual, audiométrica, pulmonar, intestinal. A trissomia 21 predispõe a cardiopatia congênita: 30 a 40% dos bebês com a síndrome nascem com ela.
ÉPOCA - Como a sociedade vê a SD?
LLERENA – Veja só, estamos lidando mais com tradições culturais arcaicas, que contaminam muitíssimo nosso senso comum sobre as diferenças. Na nossa sociedade, SD implica que a criança tenha deficiência mental. Mongolismo é relacionado com baixa intelectualidade. O que precisamos fazer é promover a saúde e não a doença. Desconstruir o conhecimento leigo. Dar aptidões desde o momento em que eles nascem.
ÉPOCA - Com que idade em média um bebê Down consegue se sentar e andar?
LLERENA – O Down tem uma constituição diferente de tendões, pele e músculos. Tudo é mais solto, mais elástico. Assim, para o bebê se colocar contra a gravidade e se sentar, isso vai exigir um preparo especial. O problema é que se costuma associar o atraso motor a um atraso neurológico. Para os pais de um bebê Down, a ansiedade é atenuada quando a criança consegue fazer isso em menos tempo. Os pais de primeira viagem vão notar mais. Se os bebês tendem a andar geralmente com 11 meses ou um ano de idade, os Down fazem o mesmo com 1 ano e 6 meses, em média. Aquisições são um fator de tranqüilidade para os pais. O marco da idade não é tão importante.
ÉPOCA - E quanto ao aprendizado? O que se deve esperar?
LLERENA – Hoje temos muitos bons exemplos. Meninas e meninos lendo e escrevendo. Mas nós sabemos que não tem sentido no Brasil generalizar, não há acesso à escolaridade universal. Com síndrome ou sem síndrome, temos alto índice de analfabetismo. Há casos individuais isolados, tanto positivos quanto negativos. Mas, é razoável afirmar que o conjunto dos Down pode não ser tão distante do rabicho inferior na sociedade brasileira. Acho tão óbvia a compulsividade de certas mães em pressionar por alto desempenho. Conheci um menino Down no campo que está tão bem adaptado que a síndrome se torna totalmente secundária. Ele está feliz, totalmente integrado à vida rural e às atividades agrícolas.
ÉPOCA - Como é a questão da fertilidade?
LLERENA – Entre as mulheres, dois terços podem ter filhos. Os homens, até prova em contrário, são estéreis. Conheço uma mãe que não quer deixar o rapaz Down namorar, ela o controla como se fosse um menino. Basta ensinar a usar camisinha para se proteger de Aids, mas ele não vai engravidar ninguém. Nosso desafio como médico é também sugerir condutas que se aproximem da razão. Crianças não devem ser encaradas pelos pais como objeto de pesquisa.
ÉPOCA - Os Down gostam mais de falar sobre sexo?
LLERENA – Do ponto de vista comportamental, todos os adolescentes gostam de falar de sexo. Talvez os Down se expressem mais publicamente por causa da expectativa social promovida pelo próprio grupo. E também por um limiar de censura menor. Nós somos tão castradores com a população em geral, eles talvez escapem dessa repressão mais institucionalizada.
ÉPOCA - Em que momento deve-se começar a estimular o bebê Down?
LLERENA – Desde a hora em que nasce. Claro que ele não vai fazer fisioterapia com sete dias. Há época para tudo. A mãe precisa se concentrar na amamentação, que é um pouco mais difícil porque o bebê Down tem a boca um pouco menor, uma língua um pouco maior. É preciso ter paciência.
ÉPOCA - Existe uma causa ou alguma prevenção possível?
LLERENA – Não. O risco é relacionado à idade materna, acima de 35 anos já existe uma maior propensão. Aumenta geometricamente. Mães de 24 anos dão à luz um bebê Down para cada 1.752 nascidos vivos. Aos 42 anos, a relação é de 1 para 33. Ou seja, a única prevenção é não ter filhos muito tarde.
ÉPOCA - Na França, reduziu-se muito o número de crianças com SD por causa do exame de amniocentese. Muitas mulheres decidem abortar. O que o senhor acha disso como médico?
LLERENA – Tenho uma opinião muito clara em relação a isso. Sou a favor de se dar ao casal o direito de decidir o futuro reprodutivo. Como no Brasil esse princípio não pode ser respeitado porque o aborto é ilegal, não há nada a falar porque a lei nos proíbe. Veja só, eu não estou fazendo apologia ao aborto. Na Alemanha, onde o aborto é autorizado, de cada 3 bebês diagnosticados com Down em exames pré-natais, dois nascem. As mães decidem ter. Mas isso, num país em que, além de dar direito ao aborto, também oferece condições de tratamento à massa da população. Isso se chama dar autonomia.
ÉPOCA - Do ponto de vista medico, a escola regular e inclusiva é melhor do que a especial para deficientes?
LLERENA – Deveriam todos iniciar a vida assim. Nós estaríamos privilegiando ambos os lados para que as crianças aprendam a conviver com a diversidade. Dentro de um currículo pedagógico regular, para todos. Em vez de colocar essas crianças num processo especializado. Falo de todas as crianças. Hiperativas, esquizofrênicas, com defeito congênito, autistas. Todas se beneficiam da inclusão. Claro que precisariam de um reforço extra. Eu mesmo não era um bom aluno, cansei de precisar de aulas particulares. Assim, há mais chance de um desempenho muito melhor. Mas, aí, já estamos falando de um princípio ideológico que parte da universalidade da escolaridade. Com um conhecimento pedagógico dos professores.
ÉPOCA - De que os pais mais têm medo quando nasce um filho Down?
LLERENA – Os pais têm medo da deficiência mental, da não independência, de ‘o que vai acontecer quando eu for embora’, da rejeição a que os filhos são submetidos, da crueldade da sociedade diante do desconhecimento. Temos que nos rediscutir como indivíduos. Norma, razão, ideologia, família, há valores riquíssimos a serem explorados devidamente.
ÉPOCA - É possível para uma criança Down dizer ‘eu sou normal’ ?
LLERENA – Não sei o quanto eles sabem sobre as suas diferenças. Mas, sabemos que o conceito de normalidade é muito relativo. Por maior experiência que eu possa ter, não sou um pai de criança Down. Só isso já faz com que eu tenha um respeito incondicional por essas famílias.
Blog do Prof de Ed. Física MSc SERGIO CASTRO,da Pós Graduação em Educação Especial e Tecnologia Assistiva da Universidade Cândido Mendes(AVM) ;Ex-professor da Universidade Estácio de Sá e Ex-Coordenador de Esportes para Pessoas com Deficiências (PcD) do Projeto RIO 2016 da SEEL RJ ,destinado a fornecer informações sobre pessoas com deficiência(PcD) e com Necessidades Educativas Especiais(PNEE), bem como a pessoas interessadas nesta área ( estudantes, pais, parentes, amigos e pesquisadores)
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