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Platão – provavelmente esse é um apelido e seu nome era Arístocles de Atenas – dizia que o amor se consistia entre corpos que para ele era o “eros”, ou seja, o amor é algo que lhe falta, algo que deve ser nutrido. Eros para o grego e para Platão, é o amor nutrido pela beleza do corpo, a beleza que dar uma impressão de harmonia entre os seres e entre a sociedade. Um amor platônico, é um amor que nunca poderá ser alcançado, porque a beleza harmoniosa não esta no ser humano e sim, no ser idealizado nas mais profundas “catacumbas” do nosso inconsciente que aprendeu isso. Então o filósofo usa a fabula que os homens eram andróginos (não tinham gênero) com duas cabeças, quatro braços e quatro pernas, mas quis subir no monte Olimpo para ver os deuses e Zeus – o rei e o deus do trovão – não gostou nada disso e castigou o ser humano separando eles e eles ficam vagando pela terra a procura da sua metade. Esse mito fala que o ser humano não mais é completo, não mais é forte e sim um ser melancólico a procura do ser que nos completara. Isso dará ao ser humano ocidental – não é a toa que o filósofo alemão Nietzsche que viveu no século dezenove, vai culpar a decadência do ser humano ocidental graças a filosofia platônica – que não somos completos, não temos nada inteiros e temos que sempre procurar no outro algo que nos falta, algo que não existe no nosso próprio conceito. Nem mesmo, possamos ser felizes, não podemos amar sem ver o outro como alguém que nos traga algo, nutre em nós aquilo que não nutrimos em via de regra.
Em temporadas de carnaval vimos isso, a erotização do ser humano se deve em esconder sua cara em uma fantasia e ser o que você não é para buscar aquilo que te falta, que não buscamos em nossa própria identidade por faltar algo na sua realidade que não enxerga. Não é a toa que todo louco é caracterizado como Napoleão Bonaparte – um imperador francês com sangue italiano – porque ele quis ser o que não era, um general que foi coroado imperador a moda romana e pensou ser o que não era e acabou isolado. A ideia do “louco” é a ideia platônica da busca harmônica de todo o universo através da racionalidade e na beleza física, como vimos que gênios são aqueles que tem argumentos lógicos e podem dar ao ser humano o caminho para essa racionalidade, ou, aqueles modelos “bombados” que ficam fazendo academia como aqueles Fitness. Nesse contexto, temos nossas convicções que não somos pessoas completas porque sofremos uma especie de castigo, hora por ter excedido (a lenda do andrógino), hora por ter desobedecido Deus e ter comido o fruto do conhecimento (Gêneses) e ter pretendido ser o que não somos, degenerando a completude do nosso espirito enquanto seres evolucionários. Nesse contexto as vidas tomam rumo graças as nossas crenças e as nossas morais que são modos de perpetuar um costume ou, continuar esse costume. E assim, com toda essa amostra da onde vem a cultura que não somos seres completos e que precisamos de “muletas” culturais, sociais e até não ousamos sair dessa cultura para não ser aceito, podemos analisar o filme homônimo do livro de Jane Hawking “A Teoria de Tudo” que tem como contexto a vida do físico Stephen Hawking que tem ELA (esclerose lateral amiotrófica), no qual se vê no próprio filme, o medico deu dois anos a ele, isso foi aos 21 anos, hoje ele tem 73 anos e a cadeira do físico e teólogo, Issac Newton.
Talvez o debate ficasse mais interessante se analisarmos o filme a partir da nossa cultura platônica cristã da perfeição e da harmonia dos corpos e não tem nada a ver, de repente, com o corpo e sim a ideia que fazemos do corpo e do sentimento que chamamos amor e nem sempre é o amor. Iludimos muito sobre o amor e confundimos muito o amor com a paixão, porque nossa cultura não diferenciou por causa da não aceitação que somos seres gregários e fazedores de cultura. Então, para aqueles que desprezam esse tipo de analise social e preza muito mais a liberdade do que o sentimento, o amor fica como uma prisão nos moldes platônicos que sempre buscamos o belo para satisfazer o nosso prazer e não suprir aquilo que faz bem com o outro que me acompanha. Sempre vimos no amor um lado hedonista que não é no amor em sim, de nós mesmos. Mas isso é algo que só existe no nosso inconsciente que são as coisas que não temos consciência e ficam vagando na nossa mente, porque são imagens de associação daquilo que acreditamos e não aquilo que é, porque estamos preocupados com o tempo do amanhã ou no tempo de ontem. No filme ao escolher ficar com Hawking o pai dele disse que seria algo duro, algo que não era uma simples brincadeira e sim, algo que precisaria dedicação e amor por causa da sua limitação. Algo limitado é algo restrito em um momento ou algo restrito a um conceito que na maioria das vezes, restringe até o movimento e a postura. Liberdade. A ilusória noção que temos da liberdade.
Liberdade é sentir nossa consciência moldar nossa vontade segundo um objeto ou um objetivo (vontade em si mesma), que faz com que desejamos algo ou sentimos algo por alguém ou algum objeto. Mas também, liberdade tem a ver com algo subjetivo quase metafisico, porque há uma diferença em ter liberdade e se sentir liberto. Se sentir liberto tem mais a ver com a liberdade do que ter o direito a liberdade, porque a liberdade não é um objeto ou um objetivo (mesmo que somos levados a acreditar que temos a vontade de sermos libertos), mas um estado muito mais dentro da alma do que só do nosso corpo. Então, não adianta ter a sua opinião (livre expressão), se somos prisioneiros de conceitos dentro de um determinado período histórico que aquilo era preciso, ou opiniões que não são nossas e sim, de outrem, não somos levados a sentir a liberdade. No filme já detectamos o amor e a liberdade, porque o amor verdadeiro não aprisiona e sim, liberta. Se você se propôs a algo, a proposta e resistir a esse algo ou nem começa com o objetivo, isso não é um julgamento, é um fato concreto por causa da noção equivocada que temos da liberdade. Nesse contexto podemos analisar que a Jane se iludiu com que chamamos de liberdade, porque ela cuidava de Hawking não com o sentimento do amor, mas com o sentimento que era uma obrigação, não sentiu que poderia estar ajudando ele. Ele não a colocou como uma “enfermeira”, mas ela se colocou como tal, ela se iludiu e foi tragada pela ilusão. Isso é muito comum na Europa, o racionalismo coloca como uma meta ou uma lógica, como se uma pessoa estudada não pudesse sentir. Ela não sentiu a liberdade de fato, ela se libertou das amarras de uma vida “dura”, mas não se libertou do conceito social, onde o belo e o perfeito ainda predomina.
O mais engraçado – se lemos biografia do Hawking ou no próprio filme – o próprio Hawking nunca se limitou por causa da sua deficiência como se fosse algo extraordinário e sim, algo que ele teria que conviver e ainda faz questão de entrar nas polemicas discussões sobre a física. Então, não aprendeu com ele, ainda decidiu ficar com a ilusão de se sentir uma “enfermeira”. Decidiu se render as faces de uma cultura que faz do belo uma escravidão, leva o outro para dentro da casa (o intimo de um casal) e começa a se sentir completa porque por mais não queremos, não queremos o outro imperfeito, porque o imperfeito é impuro, é o caos. Embora os historiadores ainda insistem em afirmar o lado guerreiro espartano ou a cidadania ateniense, mas os “defeituosos” eram eliminados por causa da crença da impureza, do ser desarmonioso, do caos entre seus átomos e a maldição dele por causa desse corpo “defeituoso”. Mesmo se os espartanos ficassem com o bebe deficiente na cidade, havia uma crença da má sorte, da maldição dos deuses e do processo de acreditar na vitoria e a crença do corpo perfeito. Platão não fugiu de sua própria cultura e ainda, os ocidentais tem isso dentro de si. O nazismo só é um reflexo sobre isso. No filme nós podemos ver que ela não deixou Hawking não porque ela o amava – isso ele percebe há algum tempo – mas por “pena” ou compaixão. A deficiência ainda se define como um castigo ou um fardo que temos que carregar, um sofrimento eterno, um ser que não tem no seu corpo a harmonia da criação. No conceito ocidental – não achei no conceito oriental sobre – a deficiência é um erro da natureza que um dia o ser humano conseguira curar, como o câncer ou outras doenças do gênero, como a modificação genética e a modificação robótica cibernética. Somos um vírus que não poderíamos estar num corpo (sociedade) saudável, porque somos algo que levamos a doença, na Europa, por exemplo, é legal o aborto de mães que terão crianças com síndrome de down. Que biólogos famosos como o Sr Richard Dawkins, diz que uma mãe que tem um filho com síndrome de down é uma pessoa imoral. Aliás, a moral entra na nossa discussão porque é vista no filme, moral é o modo do costume, então, é imoral ter um marido com deficiência, porque não passa segurança, não passa a capacidade de interagir, mas calma aos apressados, estou dizendo a maioria dos casos onde a deficiência é algo grave.
Se fomos pensar na vida de Stephen Hawking após a deficiência se instalar, ele transcendeu a deficiência como algo que vai além do corpo, ele se apegou muito mais a vida e a humanidade. As suas afirmações sobre a extinções da raca humana ou o desenfreado processo robótico que acabara com a raça humana, são de total amor pela humanidade e não ao desprezo dela. Mas claro, suas amarguras estão dentro do seu espirito e não deixou de procurar a resposta sobre o universo e o porque da humanidade e o proposito de tudo. Porque não se abateu e não se abate, já entrou em orbita, vai fazer filme, então, o que dizer dele se ele não quer ser um “exemplo” de nada? Aliás, há também um mistério dentro da deficiência, algo que mete medo, algo que nos espelha ao acaso e que não faz parte do bojo da perfeição social. O filme fala da essência cultural humana onde o perfeito (ilusão) é muito mais valorizado do que o imperfeito (realidade) que acaba ficando nas amarras de um mundo ilusório igual o filme Matrix. Lá dentro é o lado perfeito, o lado que não se deve ter nenhuma anomalia para não atrapalhar o andamento do sistema, mas muitas vezes, o sistema mesmo cria anomalias e insere como algo preciso. A liberdade que pensamos ter não é bem a liberdade verdadeira porque estar interligada aos conceitos humanos, conceitos esses instalados para o processo do sistema, a própria liberdade – que não passa de uma ilusão – não passa de uma artimanha do sistema para renovar esses conceitos para o andamento do sistema. No conceito computacional, essa liberdade especifica é um tipo de looping (a reiniciamento do sistema perpetuamente) porque é algo racional, você não deve ter a liberdade e sim, se sentir com a liberdade. Hawking e outros deficientes, incluindo eu próprio, somos anomalias do sistema que o próprio sistema cria, o próprio sistema tenta eliminar, mas é algo inevitável. O sistema ilusório (o maya hindu) criado pelo próprio homem escraviza ele próprio, porque não enxerga além daquilo que vê, nós por sermos uma anomalia, vimos porque somos aparte desse sistema. Alguns sabem disse e se iludem aos conceitos sociais.
Isso depende muito do discurso do poder, algo que elimina as possibilidades de algo muito além de um simples viver, mas cria regras para esse viver. O filme fala muito mais de ética do que de moral, porque talvez não é um modo de costume que se muda de ideia sobre o amor por uma pessoa, mas tem a ver de repente, do caráter desse pessoa se aquilo era amor mesmo ou apenas uma paixão passageira. Colocar a pessoa na periferia dos sentimentos, não é algo ético, porque a ética tem a ver com os valores que nutrimos dentro de nós – que hoje em dia nada tem a ver com os valores familiares muitas vezes – e esse valor é aquilo que o outro lhe parece para você, algo que se fica uma amizade é apenas um premio de consolação. Mas devemos sempre olhar além do tempo e dos conceitos humanos, meramente, humanos e se enveredar dentro das amarras da vida plena. Stephen é esse exemplo, encarou a morte de frente e hoje celebra a vida, sempre.