sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Família de criança autista reclama de tratamento em voo da Azul

fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/12/familia-de-crianca-autista-reclama-de-tratamento-em-voo-da-azul-4366615.html


A tripulação ameaçou não começar o taxiamento enquanto garoto de dez anos não colocasse o cinto de segurança

Família de criança autista reclama de tratamento em voo da Azul Félix Zucco/Agencia RBS
A nutricionista Sílvia Sperling Canabarro e o filho, Otávio, tiveram problemas no último vooFoto: Félix Zucco / Agencia RBS
Heloisa Aruth Sturm
Otávio é uma criança sorridente que adora andar de avião. Fica sempre eufórico ao entrar na aeronave e já voou muitas vezes com os pais. Mas ele não suporta, por enquanto, usar o cinto de segurança no avião desde o início, antes da decolagem. O garoto, de 10 anos, é autista.
A última viagem, no sábado, não foi como as outras. No voo da Azul que ia de Navegantes (SC) para Porto Alegre, a tripulação se recusou a dar início ao taxiamento enquanto ele não estivesse sentado e com o cinto afivelado.
Os pais tentaram negociar, já haviam voado com a Azul outras três vezes, e sabiam que o menino colocaria o cinto no momento da decolagem e do pouso, porque estava condicionado a isso. O tempo de viagem, previsto para 50 minutos, aumentou para quase duas horas, depois de muito estresse, ameaças e bate-boca entre a família do garoto e a tripulação, que acabou aceitando o compromisso do pai de que o cinto seria usado quando o avião estivesse subindo.
— Seria tranquilo. Ele colocou o cinto na hora, passou o voo pulando, brincando, rindo. Foi desnecessário e fica como um exemplo negativo de que uma pessoa portadora de necessidades é um estorvo na sociedade. Ele é alegre, mas meu marido disse que num momento, quando estava sentadinho, as lágrimas escorriam — diz a mãe de Otávio, a nutricionista Silvia Sperling Canabarro.
O uso do cinto de segurança está sendo trabalhado com Otávio há dois anos. Para Douglas Norte, responsável pelo acompanhamento terapêutico do garoto, o incidente pode ter prejudicado o desenvolvimento dele nessa atividade.
— A comissária chegou e começou a obrigar. Isso pode ter se tornado punitivo ao invés de um reforço. Provavelmente, a gente pode ter dado um passo atrás na terapia dele. Pode estar instaurado nele um comportamento à força.
Para o comandante Paulo Roberto Alonso, consultor técnico da Diretoria de Segurança e Operações de Voo da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), a colocação do cinto é obrigatória no taxiamento, e não existe meio-termo. Ele afirma que a maioria dos incidentes ocorre nessa fase — o avião pode dar uma parada brusca se houver a entrada inadvertida de uma viatura ou um animal na pista.
— Esse assunto não é dúbio. É sim ou sim. Essa exigência é justamente para não colocar em risco a pessoa, independente de quem seja, nem os demais passageiros. A gente não tem como abrir mão. Não tem muito o que discutir — afirma Alonso.
Em nota, a Azul informou que segue os padrões de segurança exigidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e que a ocorrência será apurada pela companhia. "A Azul Linhas Aéreas Brasileiras informa que tem profundo respeito pelas normas de segurança e, por isso, cumpre com as exigências estabelecidas pela Anac. A Azul lamenta os transtornos causados à família da senhora Silvia Canabarro e ressalta que o caso está sendo apurado para que situações como essa sejam evitadas", diz o texto.
O depoimento da mãe do garoto, a nutricionista Sílvia Sperlin Canabarro
"Otávio, como grande parte dos autistas, não obedece às regras sociais da maneira esperada pelos demais. Entra no avião eufórico e quer ficar de pé à frente da poltrona ou sentado no chão. Conversamos com ele para que, no momento exato da decolagem e aterrisagem, permaneça um breve período sentado, com o cinto afivelado. Às vezes, há comissários de bordo mais compreensíveis e amigáveis, e, outras vezes, alguns mais rudes e intolerantes, mas nunca houve problemas."
"O comandante reiterou que não decolaria e queria que déssemos a percentagem de probabilidade de que conseguiríamos que Otávio ficasse com o cinto na decolagem. O que eu estava ouvindo? Teríamos que dar uma previsão numérica da chance de seu bom comportamento? Nunca passei por isso."
"Como já imaginávamos, ele sentou na poltrona no momento da decolagem e da aterrisagem. Agora posso gritar bem alto minha indignação ao preconceito, contra o qual tanto se luta todos os dias. Eu, como uma simples mãe que escreve sua dor, sua vitória, seu lamento e sua obstinação, vou continuar gritando e dando voz a meu filho e garantindo seu direito de ser feliz e conviver em sociedade a seu modo."

Resolução da Anac estabelece procedimentos de acessibilidade
Uma norma da Anac publicada em julho deste ano estabelece os procedimentos de acessibilidade de passageiros. A resolução 280 foi criada a partir de um debate entre o Conselho Nacional de Pessoas com Deficiência e a Anac, em virtude de queixas recorrentes de acesso no transporte aéreo. Entre os dispositivos, está a obrigatoriedade de que companhias aéreas ofereçam cursos de capacitação para os funcionários lidarem com pessoas com deficiência, incluindo aquelas que têm dificuldade de compreender regras. A regra vale a partir de janeiro.
Para a pedagoga Clarissa Alliati Beleza, diretora técnica da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul (Faders), a preparação dos profissionais é importante para que eles possam perceber o que é possível ou não fazer, baseado na condição da pessoa com deficiência. Clarissa afirma que, atualmente, está sendo adotada uma nova abordagem na discussão acerca do tratamento, com base na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2008.
— Antigamente, havia a concepção de que os problemas da pessoa com deficiência seriam só relativos à pessoa, então ela teria que se adaptar aos procedimentos padrões, e não esses procedimentos se adequarem à pessoa. Mas isso mudou. As dificuldades não estão só na pessoa, mas nas barreiras do meio e da estrutura da sociedade. Hoje se trabalha o conceito social da deficiência.

Como lidar com situações semelhantes
Para os pais
- O autista não deve ser tratado como um doente. É uma criança especial, com déficit no desenvolvimento, mas entende tudo e é capaz de progredir fazendo terapia.
- Leve a criança para a rua. Sair, caminhar e interagir com as pessoas são atividades terapêuticas. Ao frequentar supermercados e restaurantes, pegar ônibus e ir ao estádio torcer para o time, ela conhecerá o mundo da maneira dela.
Para a comunidade
- Seja mais tolerante. Pessoas com autismo podem não obedecer às regras sociais da maneira esperada, por isso podem não entender conceitos como esperar sua vez na fila e usar o cinto de segurança.
- A terapia comportamental aborda os conceitos de reforçar o bom comportamento, por meio da repetição e da recompensa, e punir o mau. Não interfira obrigando porque o autista pode associar isso com punição.
- Você tem a capacidade de flexibilizar, o autista não.
Fonte: Douglas Norte, acompanhante terapêutico da Re-Fazendo Assessoria Educacional Especial (www.autismo.com.br)

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