WASHINGTON – Depois de 50 anos liderando a luta para legitimar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Keith Conners, um dos maiores especialistas no tema, poderia estar comemorando que crianças – antes rotuladas de dispersivas e problemáticas – hoje estão recebendo tratamento. Mas, segundo reportagem publicada no “New York Times”, num congresso em Washington, Conners apresentou dados que considerou desastrosos: 15% das crianças americanas têm TDAH e as que estão sob medicação somam 3,5 milhões, contra 600 mil em 1990. O professor da Universidade de Duke é mais um pesquisador que passou a questionar se não há um excesso de diagnóstico e prescrição de remédios para o transtorno, num debate que, por enquanto, está longe de ter consenso.
- É um desastre nacional de perigosas proporções – afirmou o cientista ao “New York Times”. – Os números (do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, CDC) poderiam indicar uma epidemia. Mas não é. É um absurdo. Esta é uma invenção para justificar a prescrição de medicamentos em níveis injustificáveis e sem precedentes.
O distúrbio é o segundo mais frequente entre crianças, perdendo apenas para asma, de acordo com o CDC. E a venda de estimulantes no país em 2012 se aproximou dos US$ 9 bilhões, mais de cinco vezes o montante de uma década atrás (US$ 1,7 bilhão).
Pouco antes de morrer este ano, Leon Eisenberg, um dos papas da psiquiatria infantil, engrossou este coro ao afirmar que o TDAH era uma doença fabricada, ressaltando que, em vez de prescrever pílulas, psiquiatras deveriam avaliar as razões psicossociais que poderiam levar a problemas de comportamento das crianças. Isto é o que também defende a professora Pediatria da Unicamp, Maria Aparecida Moysés.
- Existe uma discussão da própria medicina sobre se isto é realmente uma doença. Existem comportamentos de hiperatividade e etc, mas não há comprovação de que seja uma doença. Pode ser a expressão de problemas em algumas crianças sim, mas elas podem ser normais, sendo agitadas. Não dá para padronizar todas.
Maria Aparecida ainda critica o aumento do uso de estimulantes e cita dados do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, mostrando que, em 2000, foram vendidas 71 mil caixas dos psicotrópicos no Brasil; em 2009, foram dois milhões.
Cerca de 5% de crianças teriam TDAH
Enquanto isto, estimativas internacionais apontam para 5% das crianças e 2,5% dos adultos com o transtorno. No Brasil, segundo alguns especialistas, o caso é o oposto do dos Estados Unidos. Aqui, apenas cerca de 20% dos indivíduos com TDAH são medicados, aponta um estudo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria (RBP).
- De fato, há um aumento da venda de remédios. Mas a maioria dos pacientes ainda não está sendo adequadamente tratada – comentou o professor de Medicina da UFRJ Paulo Mattos, que assina o estudo da RBP. – E sempre que o conhecimento avança sobre um transtorno, aumenta naturalmente o diagnóstico e o tratamento.
Nem todos os pacientes com TDAH precisam de medicamento. Além disso, 30% dos indivíduos não reagem ao estimulantes e precisam de outras drogas. Há um total de 18 sintomas para identificar o TDAH. Embora seja prevalente entre crianças, ele pode ocorrer em qualquer idade.
Este ano, inclusive, o novo “Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM 5), que orienta profissionais de todo o mundo, foi modificado para enfatizar que o transtorno ocorre também na vida adulta. Isto, segundo críticos, poderia elevar ainda mais o número de casos, mas esta não é a opinião do chefe da Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio, Fábio Barbirato:
- O último DSM é dos anos 80, quando não havia critérios específicos. Naquela década, íamos ao exterior aprender a fazer o diagnóstico. Hoje temos muito mais gente treinada – rebate Barbirato, que também defende o uso de medicamentos e a melhora do diagnóstico. – Nenhum psiquiatra gosta de medicalização. Ela ocorre por profissionais mal treinados, que indicam estimulantes para provas de vestibular, não aplicam questionário, não fazem avaliação do paciente.
Patricia Musasci tem 42 anos e conta ter abandonado a escola, passado por cinco casamentos e três falências até iniciar, há dois anos, o tratamento de TDAH, com medicamento e terapia cognitivo-comportamental:
- Fazia prova, mas não lembrava do tema, começava a ler alguma coisa e não chegava ao final, ouvia dos colegas que “estava sempre no mundo da lua”. Não é fácil, tenho sempre que fazer um esforço maior do que a maioria, mas consegui terminar o colégio e passei no vestibular de psicologia.
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