Chef Fogaça participa de projeto de inclusão social e ressalta a importância que as iniciativas têm para eliminar o preconceito
“As pessoas confundem a deficiência intelectual da síndrome de Down com doença mental”, reclama a advogada Maria Antônia Goulart, mãe de um garoto de três anos com síndrome de Down. Ela é a idealizadora do Movimento Down, projeto que produz informações sobre a síndrome e divulga para familiares e profissionais.
“O objetivo principal é fazer o acolhimento das famílias, orientando como a síndrome de Down afeta a criança ou o adolescente e quais são os cuidados necessários para melhorar a qualidade de vida deles”, diz ela.
Essa qualidade de vida, por muitas vezes, é comprometida devido ao preconceito de que quem tem a síndrome não é capaz de ser independente e nem de aprender algo com eficácia.
“Eles têm dificuldade com alguns processos intelectuais, mas são saudáveis. É um mito dizer que quem tem Down não é capaz de compreender o que acontece ao redor, andar de avião sozinho, fazer compras ou andar de ônibus”, diz Maria Antônia. “É comum alguém perguntar ‘quer ajuda?’, quando isso não é necessário”.
Preconceito na infância
Incluir quem tem Down na sociedade nem sempre acontece de forma natural como se esperaria. Um dos primeiros locais em que esse processo precisa ser feito é na escola. Mas a inserção dessas crianças no ambiente escolar pode esbarrar em obstáculos. Pensando nisso, o Movimento Down oferece informação jurídica sobre matrículas já que a recusa da escola em aceitar um aluno com Down é crime.
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A neurologista do Hospital Albert Einstein, Ana Cláudia Brandão, conta que alguns métodos de ensino podem funcionar melhor e que as escolas devem otimizar o aprendizado da criança com Down.
“Uma coisa bacana que as escolas podem fazer é estimular mais atividades visuais, já que quem tem a síndrome de Down apresenta mais dificuldade em abstrações”, explica Ana Cláudia.
Segundo a médica, a deficiência intelectual de quem tem a síndrome varia. “Não tem grau de síndrome, mas sim uma variabilidade de cognição”, explica. “Há um pouco de prejuízo na memória de trabalho, a atenção é mais focada no âmbito concreto”, explica. “A memória auditiva é mais prejudicada do que a visual, por isso adaptar materiais colocando mais figuras ajuda na fixação do aprendizado”, diz.
Para a neurologista, padronizar um ensino na escola não é uma boa ideia para a inclusão de quem tem Down.
“Tem que ver como a criança aprende melhor. Um modelo não serve para todos. Algumas aprendem melhor no sistema fonético, silábico. A escola tem que começar a ver as dificuldades e facilidades de cada um para determinado método. Procurar diferenciar isso e oferecer o que a criança precisa é o ideal”, diz.
Chefs Especiais
Além do aprendizado formal na infância, a convivência social é importante também na vida adulta. É justamente nessa etapa que os projetos de inclusão assumem um espaço fundamental.
Em São Paulo, pessoas com Down têm um lugar exclusivo para praticar habilidades culinárias, por exemplo. É o projeto “Chefs Especiais”, em que as pessoas têm aulas de culinária com chefs de cozinha famosos e provam que o mito da incapacidade é apenas isso: um mito.
Wagner Vicente, de 33 anos, é um dos alunos apaixonados pela alquimia dos alimentos. “Hoje não é minha primeira aula, já fiz muitas outras, inclusive com outros chefs e de outros cursos. Sinto muito amor pela gastronomia. Minha mãe sempre me ensinou muitas coisas e minha irmã Juliana também”, diz ele.
“Gostar tanto assim tem a ver com o dom que cada um tem para cozinhar. Eu pratico muito e sempre quero me aperfeiçoar, quero ser chef. Esse é meu objetivo”, diz.
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Paola Moutinho, de 24 anos, é outra aluna apaixonada pela culinária. “Quando estou cozinhando, sinto uma energia muito boa. Amor e carinho, entende? Cozinhar é sentir muita alegria”, diz ela, que se sente à vontade para aprender coisas novas.
“Tenho vontade de trabalhar com culinária e pretendo fazer faculdade disso. Além de gastronomia, estudo canto e faço aula de teclado e bateria, então quero seguir em gastronomia e música. Gosto de tudo”, declara Paola, dizendo que sente falta quando está longe da cozinha do projeto. “Podemos fazer de tudo na cozinha, só temos que ter alguns cuidados em relação às facas, porque algumas pessoas podem se cortar”.
O chef Henrique Fogaça é um dos que ensinam o que fazer com cada alimento para produzir um prato saboroso. Ele pleiteia a desmistificação da ideia de que quem tem a síndrome deve ficar em casa sem fazer nada. “Muitos pais escondem os filhos em casa. Isso é errado”, diz.
“Conheci o Márcio [idealizador do projeto] e ele me falou desse projeto, que estava bem no comecinho. Na hora eu me interessei. Tenho uma filha especial também. Ela não tem a síndrome de Down, mas vive em uma cadeira de rodas e não se comunica, além de uma série de dificuldades”, conta ele.
"Fizemos a primeira aula em 2010, e desde então estou com eles. Acho muito importante a gente se doar um pouco para esses jovens, para ajudar na inclusão social deles”, diz o chef.
Sem barreiras
Maria Antônia comemora que hoje há muitos com a síndrome que frequentam universidades e cursos profissionalizantes. “Há exemplos concretos. Essas pessoas estão mostrando que as barreiras estão cada vez mais longe. Elas conseguem cada vez mais avançar, mostrando que o limite não existe” diz a fundadora do Movimento Down.
Mãe de Paola, Ana Lícia Moutinho comemora a autonomia da filha. “É importantíssimo que ela crie essa autonomia e conviva com os demais alunos. Para a família toda, porque nós conhecemos as batalhas de outras mães também. Podemos compartilhar o que vivemos e buscar soluções. Enfim, todo mundo se ajuda, é um ambiente muito agradável”, completa.
Murilo Passos, de 26 anos, frequenta o projeto Chefs Especiais e sente que seu lugar é onde ele quiser, como deve ser. “Quando estou aqui, sinto que tenho bastante coisa para fazer. Já fiz curso de fotografia, é um dos meus sonhos. Quero ser fotógrafo e aos poucos vou aprendendo a ser chef também. Quero ser um pouco dos dois”, diz.
Ele resume o sentimento dos alunos e familiares do projeto gastronômico: “Ficar em casa sem fazer nada é que não dá. Não gosto de ficar parado. Gosto de ser feliz”, diz.
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