sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Eles não fazem da deficiência um bicho de sete cabeças


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 somosparatodos
Por Ciça Melo e Fabiana Ribeiro
IMAGEM: crianças caracterizadas como diferentes profissionais
IMAGEM: crianças caracterizadas como alguns profissionais, como médico e policial.
Desde que começamos o blog, há quase um mês, temos aprendido muito. Isto, certamente, era um dos nossos objetivos. Além de trocar experiências e provocar mudanças.O que não esperávamos, porém, era que os maiores ensinamentos viessem das crianças. Várias mães estão nos escrevendo contando sobre algo que seus filhos falaram.Algumas escrevem de longe; outras, de perto. Sim, já temos leitores na Romênia, na Bulgária, em Israel e até mesmo no Quênia. Como podemos estar tão distantes, pertencer a culturas tão diferentes e ainda estar tão conectados? É óbvio que cada país está num estágio diferente no que diz respeito à inclusão, mas o que importa é que pelos quatro cantos do mundo fala-se da necessidade de incluir. Por todo lado, estamos todos parando para pensar em como podemos nos tornar mais tolerantes. Não à toa. Inclusão tem tudo a ver com tolerância.
E as crianças de hoje terão papel decisivo nesta mudança. São elas os adultos – e profissionais – de amanhã. Estão na escola hoje futuros médicos, arquitetos, professores, atletas, mecânicos, vendedores, cientistas, marceneiros, técnicos de enfermagem, chefs de cozinha, estilistas, padeiros, operários, empreendedores. E, somente o cuidado com a inclusão hoje fará com que esses profissionais sejam, em alguns anos, conscientes de que no mundo há uma gigantesca diversidade humana. Ainda está se alfabetizando o médico que terá mais cuidado ao dizer para uma mãe que seu filho tem uma síndrome qualquer. Também está aprendendo a fazer contas aquele arquiteto que, ao projetar uma casa nova, vai considerar banheiros mais amplos para atender a uma pessoa que é cadeirante. Está aprendendo as primeiras letras do alfabeto a estilista que vai pensar em roupas que se adequem a diferentes da anatomia do corpo humano. Não que eles não existam hoje. Sim, profissionais com um olhar atento para o outro existem, mas são tão raros. É preciso aumentar essa escala. Urgentemente. Mas, para isso, é fundamental que diferentes crianças dividam o espaço da sala de aula. Afinal, essa sensibilização não se dá com a graduação, nem vem com diplomas de mestrados e doutorados. É um aprendizado que acontece na vida, passado especialmente em casa e na escola, e que se leva adiante, para toda a vida.
Enfim, voltemos ao presente. Voltemos a hoje.
Há alguns dias, a escola de Anouk, de 7 anos, organizou um passeio ao Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. No meio do passeio, a proposta era fechar os olhos e explorar os sentidos. Mas, para isso, era preciso organizar a criançada em duplas. E o parceiro de Anouk foi Rafael, de 7 anos, personagem fácil desse blog que tem síndrome de Down.  Ao contar a experiência em casa, a mãe de Anouk perguntou:
- Você o ajudou?
- Não, mãe. Eu que estava de olho fechado: ele que me ajudou!!!
Situação semelhante vivenciou Dudu, que tem 8 anos. Ele faz judo num clube em São Paulo e, entre os alunos, está Vivi. Vivi é uma menina, de 15 anos, e tem síndrome de Down. Na hora do treino, Vivi é mais uma. Não é a menina frágil com síndrome de Down que todos têm que ter cuidado. É apenas mais uma aluna, no meio de tantos. E, dia desses, Dudu foi fazer dupla com Vivi, o que gerou uma curiosidade de sua mãe:
- Filho, como foi treinar com Vivi?
- Normal – disse ele, lacônico, como fazem as crianças quando não veem nada de anormal numa situação.
- Mas por que o sensei te pediu para ajudar? – perguntou querendo saber tudo em detalhes
- Mamãe, a Vivi é faixa branca, e eu sou faixa cinza. Os mais graduados têm sempre que ajudar os outros. Eu também já fui faixa branca e já fui ajudado por alguém.
Não veem nada de diferente porque ali não tinha inclusão. Essa palavra não cabe ali. Vivi é mais um dos alunos de Judô. É como Dudu ou Manuel. É mais um no tatame, que se integra pela força do esporte – peça-chave, fundamental mesmo, quando falamos de não deixar ninguém pra trás.
Vivi é apenas mais uma na aula de judô. Mais que isso, aliás. Ela é uma campeã: ganhou medalha de ouro em sua categoria numa competição.
O que queremos dizer é que essas experiências são únicas. E não são boas somente para as crianças que têm alguma questão – no caso, por coincidência, síndrome de down. Essas passagens fazem todo mundo crescer, aprender e enxergar o outro.
Parabéns a Dudu, Anouk, Rafa e Vivi. Mas, também, parabéns a seus pais e professores que ensinaram seus filhos a não fazer da deficiência um bicho de sete cabeças.

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