Enxergar o mundo por outro ângulo é comum as pesoas com nanismo, que estão longe de terem acessibilidade e conforto social, diante de preconceito
DIÁRIO DA MANHÃ
ELPIDES CARVALHO
Enxergar a vida por um ângulo diferente, não alcançar objetos cotidianos, sofrer preconceito e ter que adaptar tudo ao seu tamanho: essa é a realidade das pessoas que têm nanismo, popularmente conhecido como anões. Um indivíduo é considerado portador da deficiência quando tem estatura até 20% inferior à média de habitantes da mesma comunidade. Geralmente, esse grupo possui estatura menor que 1,45 metro no caso de homens e 1,40 metro em relação às mulheres. Quanto à sua capacidade intelectual, não é comprometida.
Segundo estudos, um em cada 25 mil é a probabilidade de nascimento de seres humanos com nanismo na população em geral. As causas podem ser ambientais como a desnutrição ou genéticas. Existem mais 200 alterações associadas. Dentre os tipos mais comuns de nanismo existe a acondroplasia, que pode ser uma condição hereditária, não necessariamente uma herança genética para que pessoas possam nascer com a deficiência. Dessa forma, qualquer casal de estatura mediana poderá ter um filho com este tipo de estatura.
As características físicas de um anão com acondroplasia são muito acentuadas e notórias. Eles têm baixa estatura, possuem pernas curvas, pés tortos, mãos e braços pequenos, os membros são desproporcionais à cabeça e ao tronco. Quando adultos apresentam uma curva saliente no final da coluna vertebral. Devido ao encurtamento das coxas e da parte superior dos braços, o portador possui certos limites de movimentação, especialmente nos cotovelos que não podem ser flexionados completamente.
COTIDIANO
Entretanto, a vida social comum não é adaptada para anões, cadeirantes, deficientes visuais ou auditivos. Assim, esses indivíduos acabam sofrendo um pouco mais para se adaptarem aos exercícios cotidianos. Além disso, as discriminações sociais acrescentam outras dificuldades a eles.
No caso dos indivíduos portadores de nanismo, entre os fatores impeditivos inerentes à baixa estatura, a reportagem do Diário da Manhã aponta também algumas situações de discriminação sofrida por eles.
Para muitas pessoas, os anões são considerados feios e incapazes, além de serem tratados como aberrações da natureza, ficando reféns de chacotas em rodas de piadas, programas de humor na televisão e brincadeiras depreciativas que afetam sua autoestima. Kênia Rio, presidente da Associação de Nanismo do Estado do Rio de Janeiro (Anaerj), diz que é preciso quebrar a barreira do preconceito contra o nanismo, além da ridicularizarão infantilizada imposta pela sociedade. “Temos que acabar com a imagem ridicularizada e cômica dos anões perante a sociedade. Muitos acham que nós somos úteis no circo e em programas humorísticos de televisão”, indigna.
Outros pontos que recaem sobre essas pessoas de baixa estatura destacam-se também as dificuldades de encontrar oportunidade de empregos ou estabelecer relacionamentos amorosos. Na maioria das vezes podem enfrentar dificuldades de acesso a diversos bens públicos, como telefones, banheiros, caixas de bancos, degraus, balcões, prateleiras e meios de transportes.
Segundo a presidente da Anaerj, a sociedade deve saber diferenciar e respeitar os anões que gostam de trabalhar na área circense e os que preferem trabalhar como profissionais liberais, engenheiros, advogados, dentistas. “Há programas de humor que praticam agressões, jogam o anão de um lado, para o outro, e não enxergam que isso reflete na gente aqui de fora”, ressalta.
De acordo com Priscila Mencci, 37 anos, reconhecida em 2011 como a menor modelo, ela tem 91 centímetros, e atriz brasileira pelo Rank Brasil, no País não tem nada adaptado para as pessoas portadoras de nanismo. “Em supermercados sempre temos que comprar as mercadorias que estão nas prateleiras em baixo. O certo era ter um produto de cada na parte inferior, pois a dificuldade não é apenas nossa, mas dos cadeirantes e idosos que as vezes não pode esticar o braço tão alto”, conta.
Priscila diz ainda que muitas vezes, os anões têm que usar as adaptações dos cadeirantes, mas que nem sempre o que é viável para um, serve para o outro. Neste contexto, ela aponta outras dificuldades de acessibilidade encontradas em caixas eletrônicos, uso de transporte coletivo, banheiros e telefones públicos, que também não são adaptados.
“Banco é o pior, pois quando adaptado, é apenas para cadeirantes, mesmo assim, encontro dificuldade para usar o caixa eletrônico. Na agência quando tem balcão no nível para cadeirante, não tem ninguém para atender. Entrar nos ônibus, só com a boa vontade dos motoristas em encostar mais próximo da calçada. Banheiro público com acessibilidade para nanismo não existe, lavar as mãos nem pensar, pois alcançar a pia jamais. Quando não havia celular e precisava utilizar o orelhão (telefone público), eu tinha que parar alguém na rua, passar o número da minha casa para a pessoa ligar”, indigna.
INTERLIGADOS
No entanto, redes de colaboração permitem compartilhar informações sobre essa deficiência para ajudar a entender diferenças ainda vistas como tabus. Neste contexto, a internet tem potencializado o ativismo desse grupo. O mundo virtual tem proporcionado troca de experiências, compartilhamento de dramas, dilemas e desafios.
De acordo com a professora Beatriz Bretas, pesquisadora de comunicação mediada por computador e redes colaborativas, a internet permite que uma pessoa se reconheça na outra e que vínculos sejam criados, estabelecendo laços de confiança, credibilidade e afeto. Dessa forma, os indivíduos sentem-se encorajados para expressar suas experiências.
“A internet situa-se num contexto de conexão generalizada, no qual a maior parte das pessoas utiliza dispositivos de comunicação para obter informações, disponibilizar conteúdos e estabelecer contatos duradouros ou não. O telefone celular, o computador e os tablets já fazem parte do nosso cotidiano, sendo cada vez mais incorporados por diferentes gerações e segmentos sociais. O espaço virtual também favorece a formação de redes de solidariedade e ajuda mútua”, aponta a professora.
Assim, o ciberespaço facilita encontro de portadores através das redes sociais, principalmente pelo Twitter, Facebook e Google. Nesta premissa, os indivíduos com algum tipo de deficiência se incluem em comunidades, onde elas se comunicam com pessoas que têm o mesmo tipo de deficiência. Por meio da internet os mesmos conseguem se unir, montar associações, marcar encontros e ainda ficar horas trocando informações sobre seus interesses.
Segundo João Lucas Nunes, responsável pela criação de uma página na internet, chamada de Nanismo em Foco, o blog foi criado para tratar desde os assuntos mais técnicos sobre a deficiência física, às mais diversas questões corriqueiras do cotidiano. “Queríamos ajudar a comunidade das pessoas com nanismo que muitas vezes não encontram apoio em parte alguma da sociedade. O intuito é abrir o espaço onde todos possam compartilhar suas ideias, pensamentos, sentimentos, o lado bom e o ruim da deficiência, enfim, diversos assuntos?”, explica ele, que é formado em Ciências da Computação e tem acondroplasia.
De acordo a professora Beatriz, as potencialidades tecnológicas que promovem as interações em rede são estímulos às agregações de pessoas que enfrentam situações parecidas. “As ferramentas com as quais contamos atualmente acabam sendo encorajamentos à participação já que são pouco onerosos e relativamente fáceis de serem apropriados”, ressalta.
João Nunes destaca que em pouco tempo, o blog tornou-se referência sobre nanismo no Brasil. “Atualmente recebemos histórias e vagas de emprego de várias partes do País, provando que a pessoa com nanismo tem o seu espaço na sociedade. Dessa forma, assumimos o compromisso de provar que a pessoa com deficiência pode ser eficiente, capaz, preparada e disposta a enfrentar qualquer obstáculo para alcançar seus objetivos, basta querer”, exalta.
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