Anões enfrentam preconceitos na busca por emprego tradicional
Eles resistem a explorar a própria imagem, mas reconhecem que é difícil entrar no mercado de outra forma. Veja histórias de quem conseguiu
A advogada Tatiana Muniz e a coordenadora Adriana Cristina perderam a conta de quantas vezes responderam à pergunta “você trabalha no circo?”. Anãs, elas notam o espanto dos interlocutores ao responder que não. Nem no circo nem no entretenimento, onde a exploração da imagem do anão parece ter voltado à tona.
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“Começou com o cantor Nelson Ned”, relembra o advogado Leo Fernandes, que atualmente comanda uma empresa de casting. “Anão na tevê sempre deu muito ibope”, ele acredita. Formado em Contabilidade e Direito, Leo nada contra a corrente da maioria que trabalha na área artística, pois atua por paixão – e não falta de opção.
“Os anões da televisão voltados para o lado ‘circense’ não foram aproveitados pelo mercado por falta de formação”, concorda a advogada e também anã Kênia Rio, 48, presidente da Associação de Nanismo do Estado do Rio de Janeiro desde 2007.
Por isso, Leo tem reservas quando aparecem convites de humorísticos. “Nunca aceito participar desses programas. Eles nos ridicularizam demais”, diz ele, que prefere ser chamado de pequeno em vez de anão.
Preconceito e medo do diferente
A atriz e estilista Carina Casuscelli, 34 anos, não é anã, mas trabalha pela democracia dos corpos na moda e com o teatro de inclusão. Ela concorda com Leo. “Anões só fazem pastelão, trabalhos de comédia. Não vemos anões em uma novela, em filmes, capas de revistas, como comunicadores ou falando sobre assuntos sérios”, observa.
Em seu trabalho de conclusão de curso na faculdade de Moda, em 2001, a paulista radicada no Rio de Janeiro promoveu um desfile com anãs, cadeirantes, gordinhas e com as altas e magras demais, em uma diversidade de modelos nunca vista nas passarelas. “Não dá para entrar em uma semana de moda pelo véu do assistencialismo. Tem que acontecer pela criação”, diz.
O preconceito sempre existiu. Não só para conseguir um patrocínio, como conta Carina, mas sobretudo nas ruas, segundo a experiência de Leo. “Todo mundo olha, as crianças apontam. Isso é o tempo todo, em todo lugar. As pessoas fazem alusão a duendes, anões de circo, gnomos. Acham que tem a ver com uma coisa fabulosa”.
Para a advogada Tatiana Muniz, de 34 anos, o preconceito tem raiz no medo do diferente. Mas as diferenças devem ser entendidas pelo prisma da diversidade. “Meu coração e cabeça funcionam perfeitamente. Só não sou comum”, diz Leo.
Prateleiras e elevador
Antes da lei 5.296, em vigor desde 2004, quando o nanismo ainda não era considerado deficiência física, a discriminação e a falta de respeito com os pequenos eram ainda maiores.
“O ‘não’ já era certo, então batalhei pelo sim. Este sempre foi o meu lema”, resume Kênia. Para ela, a intolerância não está relacionada ao status socioeconômico. “Quando se tem um nível financeiro e intelectual, o preconceito é silencioso, maquiado. Mas existe”, completa.
Assim como Kênia, Tatiana também encara seu drama de maneira bem mais compreensiva. “Consegui não ser uma pessoa complexada, não tive problema para aceitar as minhas limitações e superá-las”, diz ela, que está estudando para se tornar promotora de Justiça.
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As limitações a que Tatiana se refere vão desde problemas possíveis de se combater com políticas públicas, como as relativas à mobilidade urbana – subir a escada do ônibus é difícil, enfrentar um trem lotado é missão impossível – a detalhes corriqueiros que demandam jogo de cintura – se não tiver ninguém para alcançar um produto na prateleira do supermercado ou para apertar um botão alto no elevador, o anão tem que aguardar alguém com quem possa contar. “Nos fóruns, os balcões não são adaptados para pessoas de baixa estatura, então preciso entrar no cartório e usar uma mesa mais baixa. Sempre peço ajuda”, conta Tatiana.
Hoje as empresas devem cumprir a política de cotas e promover as adaptações necessárias no ambiente de trabalho. A estudante de publicidade Adriana Cristina, 32 anos, faz parte dos beneficiados: há quatro anos trabalha como coordenadora do Senac.
“Levo uma vida normal. Tenho vida social, faço academia, compro roupas no shopping. Mas tive dificuldade em arrumar emprego. Só consegui com o sistema de cotas”, conta.
Adriana estava preparada para ocupar a vaga, mas na opinião de Kênia as cotas de nada adiantam se não houver mão de obra especializada. “Lutamos por um nível melhor”, diz ela, em nome dos 1.200 anões filiados à associação. “Queremos espaço, respeito, e que a sociedade nos enxergue”.
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