sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Não culpem o autismo pelo que aconteceu em Newtown


Não culpem o autismo pelo que aconteceu em Newtown

Não culpem o autismo pelo que aconteceu em Newtown
Por PRISCILLA GILMAN 
Na noite da quarta-feira passada escutei Andrew Solomon, autor do extraordinário livro “Far From the Tree” (“Longe da árvore”, em tradução livre), que fala sobre a frequência de filicídios em famílias afetadas pelo autismo. Dois dias depois, os jornais tentavam explicar um matricídio e um terrível assassinato em massa por conta de o assassino ser um suposto portador de autismo.
Começou como uma insinuação, mas rapidamente se transformou em uma declaração direta. As palavras usadas para descrever o assassino, Adam Lanza, começaram com “estranho”, “distante” e “um solitário”, depois “sem empatia” e, finalmente, entraram “no espectro do autismo”, afirmando que ele sofria de “uma doença mental como Asperger”. No domingo, a bola de neve se tornara uma verdadeira tempestade de acusação e estigmatização.
Se os repórteres estavam atribuindo o surto de Lanza diretamente ao seu autismo ou se simplesmente correlacionavam diferentes condições, as mensagens falsas e prejudiciais eram abundantes.
Deixe-me esclarecer alguns equívocos. A Síndrome de Asperger e o autismo não são formas de doença mental; são distúrbios ou deficiências do desenvolvimento neurológico. O autismo é uma condição de vida que se manifesta antes dos 3 anos de idade; a maioria das doenças mentais não se manifesta até a adolescência ou os primeiros anos da fase adulta. No caso do autismo, os medicamentos raramente servem para reduzir os sintomas, mas podem ser indispensáveis no tratamento de doenças mentais como o Transtorno Obsessivo Compulsivo, a esquizofrenia e o transtorno bipolar.
Basicamente, muitas dessas reportagens errôneas representam o estereótipo nocivo e ultrapassado de que as pessoas com autismo não têm empatia. As crianças com autismo podem ter dificuldade de entender as motivações e os sinais não verbais dos outros, ter dificuldade para expressar suas emoções em palavras e ser socialmente ingênuas, mas normalmente são mais verdadeiras e menos manipuladoras do que as crianças neurotípicas e, muitas vezes, são pessoas de grande integridade. Também podem ter um forte desejo de se conectarem com os outros e podem ser extremamente empáticas – elas simplesmente tentam essas conexões e expressam a empatia de formas não convencionais. O meu filho com autismo, de fato, é o mais compreensivo e honesto dentre os meus três filhos maravilhosos.
Além disso, uma tendência psicopata, sociopata ou homicida de uma doença mental não deve ser associada ao autismo. Embora muitas vezes as crianças autistas possam ser agressivas, normalmente tal comportamento é devido a uma sensibilidade sensorial extrema ou a uma frustração por não conseguirem se expressar verbalmente. A forma de agressão que elas usam é geralmente prejudicial apenas a si mesmas. Nos casos muito raros em que a agressão é dirigida externamente, ela não assume a forma de atos de violência sistemáticos, intencionais e meticulosamente planejados contra uma comunidade.
E se, após muitas pesquisas, definitivamente estabeleceu-se que uma pessoa com autismo tem maior probabilidade de ser violenta ou se envolver em comportamento criminoso do que uma pessoa normal, fica claro que os autistas são muito mais propensos a serem vítimas de bullying e de abusos emocional e físico por parte dos pais e cuidadores do que outras crianças. Portanto, é uma triste ironia tornar o autismo um agente ou uma causa, em vez de considerá-lo o alvo da violência.
Em coberturas como essa, eu me preocupo com questões como as que a autora Susan Caim traz à tona em seu revolucionário livro sobre introvertidos, “Quiet”: os estudantes tímidos, inibidos socialmente serão observados como potencialmente perigosos? Uma criança calma, reservada, pensativa será taxada como tendo transtorno de personalidade antissocial? As crianças com autismo ou doença mental serão evitadas ainda mais do que já são?
Este país precisa desenvolver uma melhor compreensão das complexidades de diversas condições e respeitar a profunda individualidade de suas crianças. Precisamos enfatizar que ser introvertido não significa ter um distúrbio do desenvolvimento, que um distúrbio do desenvolvimento não é a mesma coisa que uma doença mental e que a maioria das doenças mentais não aumenta a tendência de uma pessoa ser violenta.
Devemos incentivar uma maior compaixão por todos os pais que enfrentam um desafio extremo, lidando com filhos com autismo ou doença mental ou que perderam os seus filhos por conta de atos de violência terríveis – e isso inclui os pais dos assassinos.
Pense na mensagem a seguir postada no Facebook por um amigo meu do ensino médio que tem um filho não verbal de 8 anos de idade, com autismo severo:
“Hoje Timmy teve um ataque de fúria na Barnes &Noble e ele raramente tem ataques como aquele. Ele arremessava as suas botas, rolava no chão, gritava e chorava. Todo mundo parou para olhar enquanto eu tentava pegá-lo e [seu irmão Xander] corria para pegar as botas. Fiquei preocupada com as pessoas que olhavam para ele e deviam estar pensando se ele se tornará um assassino quando for grande, porque as matérias dos jornais continuam dizendo que Adam Lanza poderia ter algum diagnóstico de autismo…
Meu filho é o ser mais gentil que alguém poderia conhecer. Ontem, um estranho olhou para Timmy e disse que podia ver nos olhos e no sorriso do meu filho que ele era uma alma caridosa; fico muito feliz por ele ter percebido isso”.
Em vez de evitar encarar meu filho, esse estranho gastou tempo olhando, observando e compartilhando sua impressão com a mãe. A qualidade daquela atenção é o que precisa ser cultivado de modo mais amplo neste país.
Precisamos aprender a gastar tempo observando, aprendendo e relembrando cada uma das vítimas deste terrível tiroteio. Uma atitude seria tentar desfazer estereótipos prejudiciais ou esclarecer e aprimorar a nossa compreensão de cada condição distinta, lembrando que nenhuma categoria pode explicar um indivíduo. Vamos tentar olhar nos olhos de cada criança que encontramos, tratamos, ensinamos ou das quais somos pais, seja qual for o seu diagnóstico ou rótulo, e reconhecer a singularidade e alma inimitável de cada uma delas.
Priscilla Gilman é autora do livro“The Anti-Romantic Child: A Memoir of Unexpected Joy”.
 (Traduzido do original em Inglês)
Fonte: The New York Times – December 17, 2012

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