Mara Gabrilli
Mara Gabrilli é psicóloga e publicitária, 42 anos, ficou tetraplégica por conta de um acidente de carro em 1994. Em 1997, fundou a Ong Projeto Próximo Passo, hoje Instituto Mara Gabrilli, que apoia atletas com deficiência, promove o Desenho Universal, fomenta pesquisas científicas para cura de paralisias e é parceiro oficial do Vida Mais Livre.
A Prefeitura de São Paulo, no início deste ano, colocou em vigor a lei nº 15.442, que triplica o valor da multa para quem não mantém o passeio público em ordem ou livre de obstáculos. A penalidade, que virou motivo de reclamações entre a população paulistana, é de no mínimo R$ 300 por metro linear e o cidadão multado tem até 15 dias de prazo para recorrer a partir da publicação da autuação no Diário Oficial da Cidade - ou do recebimento da notificação, enviada pelo Correio.
Pergunto-me se realmente é no bolso do paulistano – literalmente – onde mora a saída para os problemas de reforma e conservação das nossas calçadas.
Após alguns meses que vigora em São Paulo, a nova lei não tem mostrado grandes resultados. Falo isso, porque, além de lutar para levar o tema da acessibilidade para pauta do Poder Público, sou uma pedestre. Sim, cadeirante também é pedestre! E assim como um “andante”, eu tenho que driblar obstáculos para “cadeirar” diante das péssimas condições de nossas calçadas.
E digo NOSSA porque a calçada é um bem de todos. Do proprietário e do visitante.
Um exemplo simples ilustra o que quero dizer: lixeiras, vasos de plantas, bancos, cadeiras, grades, floreiras, cinzeiros... Nada disso pode ser colocado na calçada de uma hora para outra, por livre escolha do proprietário do imóvel. Para isso, é preciso ter um Termo de Permissão de Uso (TPU) expedido pela Prefeitura. Esta regra também vale para os comerciantes, que costumam parar churrasqueiras na calçada e até mesmo as populares ‘TVs de cachorro’, que ficam paradas em frente a bares e padarias, impedindo a passagem dos pedestres. Sem esse termo, tudo não passa de irregularidade.
Para exigir um padrão de qualidade para o seu passeio, o munícipe, algumas vezes, tem de seguir padrões de construção na hora de reformar a sua própria calçada. E o Poder Público, por sua vez, deve orienrtar a população sobre os meios de se denunciar irregularidades, bem como as formas de se fazer as mudanças adequadas na hora de implantar a calçada correta. Mas, infelizmente, ainda falta informação e sobra burocracia.
Quando falamos de calçada estamos nos referindo a um bem coletivo que proporciona qualidade de vida para toda a população e não a um só grupo específico. Se a calçada é acessível para mim, que sou cadeirante, ela será para cegos, jovens, mães com carrinho de bebê, mulheres com sapato de salto alto... enfim, calçada bem projetada protege até os distraídos.
Aqui em São Paulo, enquanto fui vereadora da cidade, criei a Lei do PEC, o Plano Emergencial de Calçadas, que determina que a Prefeitura reforme o passeio público das rotas estratégicas determinadas pela Secretária Municipal da Pessoa com Deficiência. Estas rotas tratam-se dos locais onde se encontram os principais serviços dirigidos à população, como escolas, hospitais, creches, bancos, empresas etc.
Quando melhoramos 10% dos passeios públicos que estejam em rotas estratégicas - leia-se locais de maior concentração de serviços - resolvemos 80% da mobilidade de um município. Contudo, sem este planejamento, a Prefeitura tem de tomar outras medidas, como a aplicação de multas, responsável por gerar mais reclamações que soluções realmente eficientes.
E, ainda sim, o trabalho de fiscalização, que é de obrigação do Executivo, só ocorre após denúncias dos pedestres. Sem essas reclamações, que chegam, principalmente, por meio do site da Prefeitura ou diretamente nas subprefeituras, a fiscalização não é feita. É aí que voltamos a um ponto crucial neste ciclo: a participação do cidadão.
Se informar é imprescindível para que fiquemos atentos ao nosso papel como agentes da transformação do meio em que vivemos. Mais importante que reclamar é participar. As calçadas são o cartão postal das cidades. Elas não só deflagram o planejamento urbano de bons gestores, como as atitudes de uma população consciente e inclusiva. Promover estas frentes tem de fazer parte da nossa luta diária por uma cidade mais acolhedora.
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