quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Conceitos e Preconceitos sobre as deficiências

Conceitos e Preconceitos sobre as deficiências
O modelo que diagnostica, classifica e esquadrinha os deficientes é considerado atrasado
Jorge Márcio Pereira de Andrade

Diz um livro de Medicina Legal, do Prof. Hélio Gomes, de 1980, 20ª edição:" os oligofrênicos não devem ser confundidos com os impropriamente chamados atrasados pedagógicos. Estes são indivíduos ignorantes, habitantes das zonas rurais mais distantes dos núcleos civilizados, rústicos, dando a impressão de verdadeiro primitivismo intelectual. São alienados sociais, pois vivem inteiramente à margem da vida cívica e cultural do país. Mas não são doentes. Precisam de instrução e civilização...".
Vemos aí o mesmo princípio que nutre e vem nutrindo um persistente envolvimento de um modelo conceitual médico, quiçá médico-legal e jurídico, onde as pessoas com deficiência transformam-se em justificativa para sua exclusão ou falsa inclusão. A moda do autor, continuamos vendo pessoas com deficiência como "pouco dotados" ou "doentes"?
Enquanto persistir um modelo que, até mesmo as famílias e parentes de pessoas com deficiência, continuam a utilizar para "classificá-los, diagnosticá-los, esquadrinhá-los e supostamente protegê-los", ficará esta visão de mais de 20 anos atrás, que nem mesmo podemos considerar atrasada, tal a sua força e presença em alguns discursos. Recentemente uma situação jurídico-penal se valeu de uma afirmação de "grave enfermidade" para definir a condição de uma criança com Paralisia Cerebral, ou seja, uma pessoa com deficiência, e naturalizadamente influenciar o julgamento de u (a) juiz (a), de forma preconceituosa e errônea, levando a graves conseqüências sócio-econômicas para um possível "réu".
A partir desta forma de apresentação do sujeito não há como garantir um modelo de justiça e educação que acredite nas potencialidades deste cidadão ou cidadã. Quando é colado o rótulo da DOENÇA ou ENFERMIDADE na pessoa com deficiência, a partir de um respaldo, médico-jurídico-legal, pelas aplicações dos conceitos e preconceitos ainda vigentes, não há como esperar outra forma de condenação destes sujeitos, ou, pior, a sua utilização vitimizada como trunfo ou alegação de sofrimento em processos ou ações legais. Eles, de cidadãos passam a: "oligofrênicos , que dada a sua completa ou grande indiferença moral e sugestibilidade fácil, tornam-se maus e malignos, sujeitos a cóleras violentas, desamorosos da família e amigos dos animais..." (op. citada), e por serem intrigantes podem por sua amoralidade ( também já vinculada à uma visão eugênica e heredológica) podem por "sua preguiça e imprevidência" serem conduzidos à "vagabundagem e à prostituição"...
Mas para quê lembrar estes pré-conceitos tão atuantes, estigmatizantes e segregativos, quando tanto se fala da INCLUSÃO? É para elogiar uma publicação que deveria estar em todas as escolas, em todos os tribunais, todos os magistérios e locais de defesa dos direitos da pessoa com deficiência. Um texto a ser lido e relido, a ser difundido e conhecido como base para discussões, seminários e conclaves. Em todo o país.
Trata-se do livro DIREITO À EDUCAÇÃO - Necessidades Educacionais Especiais: Subsídios para Atuação do Ministério Público, Orientações Gerais e Marcos Legais, publicado pelo MEC/SEESP, com uma tiragem de 1500 exemplares, no ano de 2001-11-09, que traz informações e os novos CONCEITOS sobre as deficiências (como os emitidos no Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001, aprovando o texto da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência), assim como importantes dados da Política Educacional no Âmbito da Educação Especial, que traduzem nossa realidade da inclusão-exclusão escolar e social das pessoas com deficiência no Brasil. Mas quantos profissionais de saúde, juristas, promotores, juízes, educadores, e, as próprias pessoas com deficiência e suas famílias, tem tido acesso a este tipo de informação?
Por isso urge tomarmos a pulso a distribuição de seu conteúdo, urge a sua distribuição aos quatro cantos deste imenso país-continente. Precisamos, todos, nos imbuir da necessidade de uma discussão político-social de todos os conceitos e preconceitos ligados a pessoas com deficiências. Poderá nascer daí uma nova consciência de Direitos Humanos, bem como uma possibilidade de que os especialistas passem a respeitar as condições de cidadania e infinitas possibilidades para a vida social dos que podem ser considerados também 'alienados sociais', afirmando nosso lema que: DEFICIÊNCIA NÃO É DOENÇA, e que a prevenção do uso indevido ou preconceituoso das concepções sobre o sujeito começa com a busca incessante de novos conhecimentos.
Todos, nós, independentemente de nossas singularidades, nestes tempos globalizados do Big Brother, também precisamos de aprendizagem contínua e busca ativa de civilização. Também somos alienados de muitos direitos... Qual será a verdadeira DOENÇA que nos acomete nestes tempos? Devemos todos sermos levados uma grande internação nas "modernas clínicas de ortofrenia, em pleno funcionamento nos centros mais cultos e prósperos, que cuidam especialmente dos imbecis e débeis mentais, examinando classificando, orientando, corrigindo as crianças-problemas, sobretudo as retardadas..."
(op.citada).


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