terça-feira, 29 de setembro de 2009

As duas faces da Colônia Juliano Moreira,

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Fernanda Baldioti

RIO - Enquanto algumas pacientes da Unidade Franco da Rocha, um dos núcleos da antiga Colônia Juliano Moreira, moram em lares de acolhimento que têm camas no lugar de leitos hospitalares, quartos com suíte e até mesmo refeitório com mesinhas com flores, a realidade em outros setores do conjunto psiquiátrico é bem diferente. A dualidade entre o novo modelo de saúde mental preconizado pelo Ministério da Saúde a partir da reforma psiquiátrica e as tradicionais aglomerações de pacientes em amplas salas no estilo manicomial coexistem na Colônia.

Assista ao vídeo da dupla realidade da Colônia Juliano Moreira

http://www.oglobo.com.br/rio/video/2009/14686/
http://oglobo.globo.com/rio/video/2009/14620/default.asp
http://oglobo.globo.com/rio/video/2009/14574/default.asp

Veja a fotogaleria com imagens da Colônia http://oglobo.globo.com/rio/fotogaleria/2009/9982/


Em um dos pavilhões da Unidade Teixeira Brandão, as internas estão alojadas em um grande salão, com armários arrebentados, leitos enferrujados, paredes descascadas e mofadas. Durante a visita do GLOBO na quinta-feira passada, dia 24 de setembro, a água do banheiro escoava para a enfermaria e até um pombo pôde ser visto no local. Em outro setor da unidade, além desses problemas, no banheiro há um tonel cheio de água sob uma torneira que não para de pingar. Mesmo tendo piores condições de manutenção, a Teixeira Brandão abriga cerca de 200 mulheres, quase o dobro da Franco da Rocha, que tem em torno de 110 internas - sendo 60 em lares de acolhimento e 50 em enfermarias que também têm infraestrutura melhor.

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O fato de a unidade ser desativada não é justificativa para que as pacientes continuem sendo mantidas em más condições
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.De acordo com a Secretaria municipal de Saúde e Defesa Civil, as diferenças não devem permanecer por muito tempo: a Teixeira Brandão vai ser desativada e parte das pacientes irá para a Franco da Rocha, que vai passar por reformas para aumentar a capacidade. Mas, ainda não se tem o valor que será investido e nem um prazo para que a mudança seja realizada. Segundo o diretor geral da Colônia Juliano Moreira, Marcos José Martins, o processo está em fase de planejamento. Ainda este ano será feito o projeto arquitetônico e estabelecido o custo para que isso seja apresentado ao governo para entrar no orçamento do ano que vem da Prefeitura.

- O fato de a unidade ser desativada não é justificativa para que as pacientes continuem sendo mantidas em más condições e, pior, por um período indeterminado - argumenta o presidente da Comissão de Saúde da Câmara, vereador Carlos Eduardo (PSB), que vistoriou a Colônia junto com o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, na última quinta-feira.

O coordenador da Saúde Mental do Rio de Janeiro, Mário Barreira, ressaltou que toda a Colônia, que já não recebe novos pacientes crônicos, será reformulada. Segundo ele, na Unidade Ulisses Viana, alguns pavilhões vão receber famílias cujas casas serão demolidas em função das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na região e outros pavilhões receberão pacientes que já têm condições de viver em sociedade:

- A ideia é mesmo mesclar. Isso reduz o estigma e faz com que essa nova comunidade inclua esses excluídos - afirmou.

Cadeiras de roda, leitos e até televisão jogados na colônia abandonada


O processo de desativação de alguns núcleos já começou em alguns pavilhões da Juliano Moreira. O complexo, que chegou a ter cerca de 5 mil pacientes na década de 60, hoje abriga 530 pessoas. Segundo Barreira, algumas unidades tendem a ser cedidas para outras finalidades públicas. Mas, enquanto isso não acontece, o que se vê nos imóveis que não estão mais sendo usados é o completo abandono. Em um dos prédios da Teixeira Brandão que já foi esvaziado é possível encontrar leitos, cadeiras de rodas, móveis em bom estado de conservação, porém, amontoados e jogados como se fossem entulho em meio a fezes de pássaros.

- Esses materiais que estão apodrecendo poderiam ser enviados para outras unidades de saúde em que constantemente vemos pacientes sendo levados no muque por falta de cadeiras de roda. Não basta fazer investimentos. A má gestão do dinheiro público faz com que a verba não tenha impacto - ressaltou Carlos Eduardo.

No entanto, o coordenador da Saúde Mental afirma que dar baixa em qualquer equipamento é um processo complicado e esbarra em questões burocráticas:

- Existe material inservível que parece em bom estado, mas não é recuperável. Além disso, a burocracia dificulta a remoção desse material. Cada equipamento tem que ser registrado e precisa passar por uma comissão e depois por outra para ser liberado.

Em nota, a secretaria informou que as unidades desativadas necessitam de reformas que já estão em fase de estudo. Segundo a secretaria, os equipamentos que estão no local são de patrimônio federal, da época em que a Colônia pertenceu ao Ministério da Saúde, e a direção está em negociação para devolvê-los.

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Existe material inservível que parece em bom estado, mas não é recuperável. Além disso, a burocracia dificulta a remoção desse material.
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.Apesar de não estar abandonado e apresentar boas condições de manutenção, no Hospital Jurandyr Manfredini, grande parte do ambulatório está sem uso. Já na área de emergência não há equipamentos como desfibrilador e eletrocardiograma. Além disso, o hospital sofre com um déficit de três a quatro psiquiatras, segundo informou uma funcionária que não quis se identificar. Para ela, boa parte dos funcionários reside na Zona Sul e não quer trabalhar tão longe de casa.

Segundo a secretaria, a área que não está em uso deverá ser transformada em leitos de média permanência masculina. Sobre os equipamentos, a secretaria informou que a Colônia conta com duas caixas de paradacardiorrespiratória, e existindo necessidade de um aparato maior, os pacientes são encaminhados para o Hospital Álvaro Ramos, que também fica dentro da Colônia. O desfibrilador está em processo de compra pela unidade.

Na Colônia com vida, internas se enfeitam para festa da primavera
Em um imóvel ao lado do prédio desativado da Teixeira Brandão, internas aguardavam ansiosas no começo da tarde da última quinta-feira. Com unhas feitas, maquiagem, roupas coloridas, brincos, colares e até salto alto, elas esperavam a hora de, como as misses, mostrarem por que foram eleitas as rainhas e as princesas das suas alas de internação.



Os preparativos começam dois meses antes da festa. Ao longo de um mês, as enfermarias realizam prévias entre todas as pacientes, os técnicos e demais trabalhadores da unidade para eleger a Rainha do Núcleo. A apuração ocorreu dois dias antes da festa por comissão eleitoral fiscalizada pelas pacientes. As seis candidatas finalistas concorrem ao título de Rainha da Primavera, as demais candidatas também desfilam e concorrem ao titulo de Princesa. As faixas são bordadas e customizadas pelas pacientes nas oficinas. O desfile tem uma trilha musical escolhida por cada uma das candidatas que escolhe a música que quer para o seu desfile.

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É uma forma de elas se sentirem orgulhosas, de se olharem no espelho, pois, com o tempo, até disso elas abdicam.
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.A vice-diretora do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, Anna Cristina Cardoso Fontes, enfatiza que o evento vai além da festividade:

- É uma forma de elas se sentirem orgulhosas, de se olharem no espelho, pois, com o tempo, até disso elas abdicam. Com ações desse tipo, trabalhamos aspectos como higiene, vaidade, pois elas se maquiam, colocam acessórios e se envolvem no processo por mais de um mês, quando começam as votações de quem será a representante de cada enfermaria.

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