Encaixando-se na inclusão
| Por Charlotte Lessa
(Imagem: Michael Brown/Fotolia)
Uma das usuárias do instituto que coordeno está fazendo um trabalho de percepção tátil. Esta criança de 12 anos é cega, tem autismo, não fala e sofre de obesidade mórbida. Seus movimentos são lentos e pesados. Uma manhã, tentando direcionar uma das mãos para encaixar peças quadradas e redondas dentro de orifícios com as mesmas formas, presenciei sua dificuldade de perceber as arestas tanto da peça quanto do orifício quadrado. Ela acha mais fácil encaixar a peça redonda no orifício redondo, pois não há arestas para serem posicionadas adequadamente. É só achar o buraco com uma das mãos e inserir ali a peça com a outra.
Foi necessário “mostrar”, com muita calma e insistência, a forma de cada item, suas características e peculiaridades e usar de muita comunicação verbal e sinestésica, até que ela conseguisse o sucesso do encaixe.
Ao cansar-se do procedimento, jogava as peças e a caixa de encaixe no chão, com gritos e, por vezes, autoagressão, deixando bem claro: “Não quero mais este negócio. Está me dando trabalho demais!” Na sessão seguinte, recomeçávamos todo o procedimento, mantendo um ritmo de constância e repetição, num esforço por fazê-la entender a ação e seu significado.
OS DESAFIOS DE UMA ADEQUAÇÃO BEM-SUCEDIDA
Permitam-me os leitores fazer uma analogia aqui. Sabemos das dificuldades que a educação formal por si só enfrenta. E com as regras do sistema educacional inclusivo, as dificuldades, frustrações e insegurança dos diretores, coordenadores e professores aumentaram ainda mais.
Diria um(a) professor(a):
– Tenho vinte e tantos alunos na minha classe (outras classes têm 45 ou mais) e não tenho só uma criança com necessidades especiais. Tenho três! Fica difícil atender às necessidades dos alunos “normais”, mais os três! Vou fazer o que for possível. Mas não espere muito de mim.”
O que diriam os pais desta uma criança incluída?
– Tadinha da professora! – Talvez.
Ou:
– Ah, ela está se esforçando mesmo! Vamos ver no que dá. – Quem sabe?
Ou, e mais provavelmente:
– Dane-se a professora! Eu quero que meu filho tenha a educação que ele precisa e merece!
Aí é a hora em que tanto um lado quanto outro se estranha e podem surgir ressentimentos. Usar de empatia é bom e todos gostam. Então vamos analisar os dois lados:
- Por um lado, temos o(a) professor(a) estressado(a), cobrado(a) por coordenador, diretor, pais, sistema, todos esperando bons resultados do seu trabalho.
- Por outro, os pais, estressados, cansados de sentir que seu filho só dá trabalho (para eles e para os professores), frustrados pela perda do filho idealizado, chocados com a indiferença do sistema.
Qual dos dois lados usa o sapato mais confortável? Os dois calçados, certamente, provocam calos dolorosos.
- Mas os pais, a quem a Constituição Brasileira (inciso III do art. 208) garante o direito à educação inclusiva para seus filhos, têm que se contentar com calçados tamanho 35 quando seus pés requerem tamanho 40.
- A dor do(a) professor(a) e seus líderes, por sua vez, ainda que diferente na sua essência, provoca os desconfortos do senso de inabilidade, da solidão, da desvalorização, da falta de apoio, do cansaço... Estes têm que aceitar as circunstâncias impostas pelos sapatos apertados e colocar Band Aid sobre os calos, tentando continuar sem desmoronarem física e emocionalmente.
LIDANDO COM OS DESAFIOS
1. A Sala de Aula
Encarando a realidade da sala de aula, só mesmo o(a) professor(a) sabe onde “o calo aperta”. Notemos algumas coisas que certamente poderiam ajudá-lo(a) sem, contudo, solucionar definitivamente o problema da qualidade da educação inclusiva. Seria o mesmo que tentar encaixar a peça quadrada sem certificar-se das arestas do orifício:
- Dar conselhos de como agir diante dos desafios;
- Dizer para ele(a) não levar os problemas para casa e não trazer os de casa para o trabalho;
- Estimulá-lo(a) a aprimorar seu conhecimento em cursos e congressos;
- Promover seminários e palestras locais;
- Proporcionar-lhe auxílio médico;
- Convidá-lo(a) a almoçar na casa do coordenador, do diretor com a família, etc.
2. Os Pais do Aluno Incluído
Encarando a realidade da família, só mesmo os pais sabem onde “o calo aperta”. Notemos algumas coisas que certamente poderiam ajudá-los sem, contudo, trazer as soluções esperadas. Seria, novamente, o mesmo que tentar encaixar a peça quadrada sem certificar-se das arestas do orifício:
- Conversar com a família sobre as necessidades do(a) filho(a);
- Chamar os pais quando o comportamento da criança é inadequado;
- Mandar tarefas na tentativa dos pais ajudarem a professora;
- Encaminhar os pais para aconselhamento ou psicoterapia;
- Encaminhar a criança para psicopedagogo(a), fonoaudiólogo(a), psicólogo(a), etc.;
- Enviar a criança para a sala de reforço no período extra-aula, e outros procedimentos.
Superando os Desafios
Tudo o que foi mencionado tem valor. Mas existem algumas coisas que,
sendo consideradas, podem abrir caminho para o sucesso no sistema inclusivo adventista. Seria como se fosse a mão do terapeuta (líderes conscientes e interessados) guiando a mão da criança (escola com suas dificuldades e seus impedimentos) para uma ação adequada e significativa (a inclusão bem-sucedida).
É necessário que:
- Promovam-se encontros regulares entre líderes do Departamento de Educação do campo (no caso do Sistema Educacional Adventista) e sua equipe, com diretores, professores, coordenadores e representantes de pais de alunos com necessidades especiais, a fim de que busquem um entrosamento entre estas esferas da educação, abrindo espaço para um diálogo franco e produtivo;
- Repensem o sistema educacional tradicional;
- Conheçam com detalhes a realidade da situação de inclusão de cada escola em sua área geográfica;
- Discutam estratégias que possibilitem melhor acesso aos cadeirantes e melhor aproveitamento do aluno com necessidades especiais em sala de aula;
- Estudem formas de estruturar replanejamentos conforme a necessidade de cada aluno incluído;
- Discutam as possibilidades de contratar assistentes de classe para melhor atenderem os alunos com necessidades especiais, promovendo, assim, melhor aproveitamento nos estudos;
- Busquem soluções para os problemas financeiros que estas estratégias poderiam, eventualmente, causar.
É necessário que:
- Promovam-se encontros regularesde diretores, coordenadores e professores, com representantes de pais, a fim de estudarem as práticas necessárias para suas realidades específicas, levando em conta as situações discutidas e planejadas nos encontros com a liderança educacional do campo. Para isto será necessário:
* Boa vontade;
* Credibilidade;
* Espírito de sacrifício;
* Desprendimento;
* Humildade;
* Entrosamento;
* Enfim, cristianismo prático!
Meus queridos, vamos incentivar a verdadeira inclusão escolar em
nossas instituições. Talvez sua escola e seus colegas já estejam tão empenhados e bem entrosados na prática da inclusão, que estas considerações pareçam desnecessárias. Que bom se for assim! Se for, escreva para os seus líderes departamentais e para o nosso site relatando suas experiências de sucesso, para que elas possam ser imitadas em outros lugares. Assim nossas escolas estarão ainda mais aptas a cumprirem a ordem do Mestre de amar ao próximo como a si mesmo.
Deus abençoe você!
Com amor,
Charlotte
Nenhum comentário:
Postar um comentário