terça-feira, 16 de junho de 2015

Rejeitado na infância, músico com síndrome de Down prepara primeiro disco


Eduardo Gontijo, cavaquinista de 24 anos ignorado em 17 escolas por causa de sua síndrome de Down, tem instrumento autografado por Chico Buarque e acalenta o sonho de tocar para Roberto Carlos

Sandra Kiefer - Estado de MinasPublicação:15/06/2015 08:30Atualização:15/06/2015 11:18
Dudu do Cavaco já fez diversas apresentações em Minas e em outros estados ao lado de profissionais como Thiago Delegado e Jota Quest. Na próxima sexta, ele faz seu show de estreia como líder da formação Dudu do Cavaco e banda (Euler Junior/EM/D. A. PRESS)
Dudu do Cavaco já fez diversas apresentações em Minas e em outros estados ao lado de profissionais como Thiago Delegado e Jota Quest. Na próxima sexta, ele faz seu show de estreia como líder da formação Dudu do Cavaco e banda
Ser igual aos outros músicos é o sonho maior de Eduardo Gontijo, de 24 anos. Não vai ser fácil para Dudu do Cavaco, porém, permanecer no mesmo patamar dos colegas. Sua carreira solo promete ser ainda mais especial. Na verdade, o jovem está prestes a se tornar o primeiro músico com síndrome de Down no Brasil (e talvez no mundo) a lançar um CD. Na próxima sexta-feira, às 19h, no estúdio Na Trilha, na Serra, ele estreia um pocket show como líder do grupo Dudu do Cavaco e Banda. Haverá também exibição de um trecho do documentário 'No compasso do amor', a respeito de sua trajetória, com assinatura do estúdio Na Trilha Produções.


No curta, Dudu do Cavaco é visto à frente da bateria no Sambódromo, ajudando a abrir o desfile das escolas de samba campeãs do Rio de Janeiro. Em outra cena, o estreante toca chorinho no palco da Rio Scenarium, numa apresentação que deixa o público emocionado. Em mais de 20 shows fora de Minas, em nove estados, ele já se apresentou ao lado de Jota Quest, Monobloco e Thiago Delegado. Em Belo Horizonte, Dudu costuma tocar no Trem dos Onze, com outros 10 músicos.

Nenhum desses encontros seria mais marcante do que tocar cavaquinho para Chico Buarque, num intervalo de jogo do Polytheama, o time do cantor, em fevereiro último, no Rio de Janeiro. “Foi um encontro informal entre músicos. Dudu ficou muito emocionado, e Chico Buarque o tratou de igual para igual. O respeito mútuo que existiu entre os dois foi singular”, observa a produtora Lilian Machado, do estúdio que prepara o documentário a respeito do cavaquinista. “Ele é o mais disciplinado entre os músicos do Na Trilha Produções. Já chega para gravar com repertório definido, músicas ensaiadas e o tom certo”, elogia o produtor musical Marcio Brant, que ainda busca patrocínio para completar o orçamento do filme.

AUTÓGRAFO  Chico e Dudu já se encontraram no passado. Um dos maiores compositores brasileiros, Chico Buarque já havia sido procurado para autografar o cavaquinho do Dudu, confeccionado sob medida para seus dedos pelo luthier Mario Machado. Mais tarde, a assinatura de Chico no instrumento ganharia a companhia das de Hamilton de Holanda, Jorge Aragão e Alcione. “Tenho duas músicas do Chico no meu repertório, 'Cotidiano' e 'Pelas tabelas', mas essas são bem facinhas”, afirma Dudu do Cavaco, que não tira onda da proximidade com o letrista de olhos ardósia. Com a pureza característica dos portadores de Down, explica que há composições mais complicadas de Chico. “Não sei tocar outras músicas. Estou treinando”, entrega.

O cavaquinho é o instrumento que Eduardo mais gosta de tocar, mas não é o único. Ele também toca pandeiro, banjo e repique e se refere ao instrumento preferido como o “meu neném”. “O cavaquinho é responsável pela autonomia cada vez maior conquistada pelo Eduardo. Ele hoje já é famoso, mas só recentemente aprendeu a atravessar a rua sozinho e a tomar um táxi para voltar dos shows”, diz Leonardo Gontijo, de 36 anos, empresário, irmão e maior incentivador da carreira, autor do livro 'Mano Down, relatos de um irmão apaixonado'. Com base no tema superação, ele e o irmão já encabeçaram mais de 70 palestras motivacionais no país.

Formado em engenharia civil e em direito, o professor universitário Gontijo passou a ser chamado de “irmão do Dudu do Cavaco”. A situação era impensável no nascimento de Eduardo, quando ele foi diagnosticado com uma mutação no par de cromossomos 21. Em razão da herança genética, estava fadado ao fracasso, tendo sido rejeitado em 17 escolas da capital. “Se os pais não tiverem um projeto de vida para o deficiente, ele vai se acomodar, já que ninguém espera nada dele. Dudu se tornou uma referência e está ajudando a quebrar uma série de preconceitos existentes em relação a portadores da síndrome”, afirma o irmão, que se prepara para lançar o terceiro livro sobre a relação com Dudu, agora voltado para a fase da juventude e do desenvolvimento da carreira artística dele.

Que ninguém duvide das aspirações de Dudu do Cavaco. Sua última novidade foi manifestar publicamente a vontade de tocar para o Rei Roberto Carlos, que, assim como Chico, costuma ser avesso a esse tipo de homenagem. Em seus shows, uma das canções de maior repercussão na plateia é a consagrada 'Como é grande o meu amor por você'. “Gosto de fazer a galera chorar. Quando estou tocando, pego minha emoção e jogo no cavaquinho”, conta ele, apontando para o instrumento deitado no colo. “Através dele, jogo minha emoção para todo o mundo”, diz. Nos shows, ele faz isso, literalmente, unindo os dedos em forma de coração. Em seguida, improvisa uma flecha e lança os gestos em direção às garotas mais belas da plateia. Dudu é mesmo especial.

Amigo do peito, irmão camarada

Leonardo Gontijo escreveu o livro 'Mano Down, relatos de um irmão apaixonado' (Euler Junior/EM/D. A. PRESS)
Leonardo Gontijo escreveu o livro 'Mano Down, relatos de um irmão apaixonado'
Autor do livro 'Mano Down' e maior fã de Eduardo, o engenheiro civil Leonardo Gontijo entrevista o irmão e músico Dudu do Cavaco.


Leonardo: O que é preciso para tocar bem o cavaquinho, Dudu?

Dudu do Cavaco:  Tem de treinar todo dia e se dedicar muito. No início, é preciso forçar um pouco os dedos, quando a pessoa ainda não está acostumada a tocar. Tem de apertar muito as cordas para sair o som. Para tocar mesmo, tem de ter muito calo nas mãos e agilidade nos dedos.

Leonardo: Você consegue saber quem está tocando bem no palco?

Dudu do Cavaco: Tenho ouvido musical. A pessoa pode desafinar o cavaquinho no meio do show. Todos os artistas com quem já toquei tocam bem. Os amadores, não.

Leonardo: Qualquer artista pode autografar o seu cavaquinho, Dudu? Quem você já deixou assinar?

Dudu do Cavaco: Chico (Buarque), Hamilton de Holanda, Jorge Aragão e Alcione.

Leonardo: Quem é seu maior fã, Dudu?

Dudu do Cavaco: Tenho vários... Não sei quem é mais fã, mas o maior mesmo é o Rei Roberto Carlos.

Leonardo: Não, Dudu. Você que é fã do Rei. Estou perguntando quem é o seu fã número um?

Dudu do Cavaco: Hum... Não sei... Você?

Leonardo: Ué, você não acha, não? Quem é que vai a todos os seus shows?

Dudu do Cavaco: Você, Leo, mas você é meu empresário...

Leonardo: Não, sou seu empresário e fã... (os dois se abraçam).

Leonardo: Dudu, conta pra gente. Quais são seus dois maiores sonhos?

Dudu do Cavaco: O de me tornar músico profissional.

Leonardo: Isso está caminhando bem. E o outro sonho?

Dudu do Cavaco: Conhecer o Rei Roberto Carlos e tocar uma música com ele.

Leonardo: Qual música dele você tocaria? Toca um trechinho pra gente. (Dudu toca 'Como é grande o meu amor por você'.)





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