Perdeu a visão e se tornou o
Menino de apenas 9 anos é exemplo de adaptação; após perder visão por completo em apenas um mês, ele reaprendeu a fazer atividades cotidianas e, inclusive, desenvolveu novos talentos
“Mas como que eu vou fazer para conseguir aprender a dançar? ”, pergunta aflito o menino de nove anos. O motivo da preocupação era o baile da igreja e uma certa menina que ele queria chamar para a pista. Porém, muito da aflição de Matheus se dá pelo fato de ele ter se tornado cego há dois anos.
O menino desenvolveu um tumor nas vias ópticas e em questão de um mês perdeu a visão por completo. De lá para cá, se adaptou e reaprendeu a fazer uma série de atividades cotidianas. Ele ainda se tornou um ótimo aluno – o melhor da classe. Logo ele, tão novo e que só há poucos dias aprendeu (na prática) o que significava a palavra superação.
Antes do fatídico ano de 2013, Matheus era um aluno que apresentava dificuldades no colégio - provavelmente por conta do tumor. Ele precisava de óculos, era agitado demais e estava longe de ser um dos destaques da Escola Municipal Professor Nicolau Moraes de Barro, em Santo André (SP). Com quase sete anos, por exemplo, ainda não tinha sido alfabetizado por completo.
De lá para cá, se adaptou e reaprendeu a fazer uma série de atividades cotidianas. Ele ainda se tornou um ótimo aluno – o melhor da classe. Foto: Christiane Rebucci
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“Eu fui notando que estava deixando de enxergar. Na escola, eu pedia para os meus amigos me levarem até o banheiro quando eu precisava”, relata Matheus Pereira de Almeida. O menino já não conseguia identificar onde ficava o banheiro da escola que estudou a vida toda. Hoje ele enxerga apenas a cor preta e, às vezes, “alguns brancos”.
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Eu fui notando que estava deixando de enxergar. Na escola, eu pedia para os meus amigos me levarem até o banheiro quando eu precisava (Matheus)
Na época, ele não contou nada para os pais, que ao perceberem sozinhos a dificuldade do menino, o levaram ao hospital. O diagnóstico foi que o tumor havia crescido e afetado a visão. Não havia o que fazer, nem dava para extirpar a célula cancerígena, localizada em um local muito interno do cérebro.
Matheus perdeu um ano na escola por conta do tratamento quimioterápico no GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), em São Paulo. Na reclusão, viveu o luto da perda da visão. Fez terapia com a família toda e aos poucos foi se adaptando à nova vida. Matheus mudou, se tornou muito mais estudioso, organizado e hoje é o melhor aluno da classe. Algo impensável anos atrás.
De acordo com a mãe do menino, Vancleidia Pereira de Almeida, ele ficou ainda mais comunicativo. “Ele já era conversador, sempre foi muito dado, mas depois que ficou cego...passou a conversar mais ainda com todo mundo. Acho também que as pessoas passaram a puxar mais papo com ele.”
Hoje, a memória é a maior aliada de Matheus. “Ele tem uma memória muito boa, o que é importante para o cotidiano dele. Os cegos precisam lembrar onde estão as coisas, fazer conta de cabeça, decorar trajetos, se localizar”, explica a terapeuta ocupacional Christiane Rebucci. Junto com a professora Neiva Silva Mazzoni, ela orienta Matheus duas vezes por semana na parte da tarde, horário que o menino não está frequentando as aulas regulares da escola.
Lá ele aprende Braille, um instrumento de cálculo chamado Sorobã (uma espécie de ábaco para deficientes visuais), e ainda recebe orientações sobre o uso da bengala e treinamento de atividades diárias. Comer, tomar banho, se vestir, se localizar são atividades cotidianas que agora devem ser reaprendidas.
O objetivo é torna-lo mais independente. Em apenas quatro meses, Matheus aprendeu o Braille, o que, segundo Christiane, é praticamente um recorde. “Já sei até o Z. E tem maiúscula e minúscula, né? Eu ponho a mão no papel e vou sentindo ” explica o menino, que hoje está no terceiro ano.
Coube também à Christiane acalmá-lo no episódio das aulas de dança. “Eu expliquei para ele era só sentir o ritmo da música e se mexer", diz. Foram três semanas de treinamento. “Como todo bom cego, o Matheus era muito duro de cintura, porque tem toda uma relação com a insegurança de se mexer, saber onde está. O importante é que com o treino ele avançou bastante. Já está dançando bem”, constata Christiane.
Poder de adaptação: o maior trunfo
Desde que voltou para a escola, a mesma que estudou a vida inteira, muita coisa mudou. Pedro, seu irmão gêmeo, está uma série a cima. Na sala de aula, no lugar de livros e cadernos, a mesa dele tem uma máquina de escrever em Braille.
Antes, nada na escola era muito interessante para ele e hoje, suas matérias preferidas são matemática e ciências. “Ciências é aquela sobre os planetas como Mercúrio, Marte, Vênus, a Terra, sabe?”, pergunta.
A mãe do menino fica encantada com a mudança do filho. Ex-merendeira de escola, ela teve que largar o emprego quando os gêmeos chegaram. Vancleidia e Rivanaldo Alves de Almeida têm ainda um filho mais velho, de 12 anos, chamado Lucas. “Graças a deus, o Matheus evoluiu bastante. Na matemática, então, tem uma memória de elefante. Hoje já consegue ir para a casa da avó. Eu só deixo no portão e ele anda sozinho pelo terreno, já sabe onde fica tudo”, se gaba a mãe coruja.
Ela admite, no entanto, que precisa dar duro no menino, deixá-lo fazer as coisas dele sozinho. “Isso é o mais difícil. Mas é importante para ele e também para o Pedro e o Lucas que também precisam receber atenção”, justifica. “Mas tem dia, né? Tem muita coisa que ele fazia antes que não consegue mais, ou vai demorar para voltar a fazer. Acho que ele odeia ir ao parque. Ele sente que os meninos estão andando de bicicleta, soltando pipa, jogando bola e fica mal-humorado.”
Como na rotina de qualquer criança, nem todo dia é dia de alegria. Mas a vida dele tem bons momentos. Seja no baile da igreja, na rapidez como aprendeu o Braille, ou no cofre com cadeado que comprou sozinho na loja de 1,99, Matheus mostra que é possível se adaptar a tudo.
Ao ser perguntado sobre o que quer ser quando crescer, ele responde com um simples “eu não sei”. É que a grande preocupação do momento é a mudança de escola. Quando ele chegar ao quinto ano, terá de mudar de escola e ter que decorar um ambiente novinho, conhecer novos colegas talvez nem tão amigos quanto os que o ajudavam a ir ao banheiro. Tudo gera uma certa ansiedade ainda maior para um menino cego.
Também faço a mesma pergunta à Vancleidia e a simplicidade parece ser algo de família. “Sei que vai ser mais difícil, mas ele vai conseguir tudo o que quiser. Tenho certeza disso”. Ela e o filho sabem que é preciso dar um passo de cada vez e que o poder de adaptação de Matheus é o seu maior trunfo. E olha que ele antes nem sabia dançar.
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