Cientistas da Suíça despertaram a medula espinhal de ratos com choques. Após uma semana de tratamento, as cobaias conseguiram andar e nadar. Ainda não há data, porém, para os testes em humanos
Quando algumas estruturas do sistema nervoso sofrem um trauma violento, deixam de obedecer às ordens do comando central do organismo humano, o cérebro. A lesão grave na medula espinhal tem como consequência deficiências motoras, incluindo a paralisia completa. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science Translational Medicine, porém, relata como pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça, conseguiram reverter esses prognósticos. Por meio de estimulação elétrica, eles conseguiram que ratos recuperassem o movimento das patas.
Pesquisadores de todo o mundo encararam o desafio de fazer com que pessoas paralisadas ou sem parte dos movimentos possam voltar a andar a partir da indução do crescimento de fibras lesionadas e do enxerto de células-tronco, que reconectariam os neurônios do centro de comando, no tronco do cérebro, ao local da lesão. Algumas dessas terapias estão, agora, passando por testes clínicos, com pacientes com comprometimentos da medula, um extenso emaranhado de neurônios que começa no cérebro e percorre quase toda a coluna.
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Os ensaios, no entanto, são realizados principalmente com pacientes recém-feridos. Essas terapias dependem, em parte, do “impulso de crescimento”, percebido imediatamente após a lesão, quando as fibras nervosas tentam regredir ou formar percursos alternativos. Em humanos, esse período cessa completamente após cerca de um ano, o que torna a missão de reabilitar pacientes com lesões medulares antigas um grande desafio.
Lukas C. Bachmann e a equipe liderada por ele trabalham nessa empreitada há quase 4 anos. O foco é em uma estrutura no cérebro, a região locomotora mesencefálica (RLM), que integra um centro de comando chamado estrutura de formação reticular. “A RLM é formada por um conjunto de células de fibras que ficam no tronco cerebral, entre a medula e o cérebro. Ali, existem várias células que controlam o movimento, a respiração, a consciência e a sensação de dor. Uma das pretensões do estudo é estimular eletricamente essa região para que se consiga modificar os padrões de movimento”, conta Manoel Jacobsen, coordenador do Núcleo Avançado de Dor e Distúrbios do Movimento do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo.
Segundo Bachmann, ao estimular os centros de movimento do cérebro, as poucas fibras remanescentes após uma lesão medular conseguem transportar informações importantes para as partes da medula espinhal que foram mais afetadas. “Ativando os sistemas próprios de controle motor, podemos melhorar os movimentos de animais com grave lesão da medula espinhal”, conta. Para isso, ratos de laboratório foram manipulados a fim de que apresentassem uma lesão na altura das vértebras T9 e T10, o que tirou dos animais a capacidade de mover as patas traseiras.
Em seguida, os pesquisadores implantaram eletrodos nas cobaias, por onde elas receberam uma estimulação catódica com pulsos de 50Hz para aumentar a atividade neurológica da RLM. O desempenho locomotor dos animais foi analisado após quatro semanas da lesão e os resultados comparados aos de animais saudáveis submetidos às mesmas condições.
Com a terapia, as cobaias sem a lesão demonstraram forte impulso locomotor e o aumento da intensidade da estimulação potencializou a velocidade de caminhada dos bichos. Dez dos 11 ratos lesionados apresentaram uma melhora na movimentação tanto na água quanto no chão após uma semana de tratamento (veja infográfico). De acordo com os resultados, se de 15% a 30% das fibras não atingidas pela lesão forem estimuladas, pode haver uma melhora quase completa nos movimentos funcionais das patas traseiras.
Como a abordagem desenvolvida pela equipe suíça trabalha com as fibras nervosas remanescentes e não depende de crescimento imediato, a estimulação elétrica poderia ser uma alternativa promissora para os pacientes com lesões antigas na medula espinhal, assim como aconteceu com os ratinhos. Bachmann, no entanto, é cauteloso ao falar sobre testes com humanos. “Os nossos primeiros indícios, embora promissores, são exatamente isto: primeiras indicações. Nós ainda não temos certeza de que essa abordagem funcionaria em humanos. É muito cedo para encher os pacientes com lesão medular de esperança. Nós não podemos prometer nada neste momento.”
Cem anos de estudos
A neuroestimulação elétrica em humanos e animais existe desde o século 19 e essa possibilidade é estudada há mais de 100 anos. Já sabemos que essa terapia é útil para acionar os movimentos e fazer com que a constituição muscular seja preservada ou melhorada, de forma que a reabilitação seja mais rápida. Os dispositivos implantados no corpo apareceram no fim da década de 1960 e os aparelhos que podem ser colocados na medula espinhal viraram uma realidade a partir de 1967. Naquela ocasião, eram usados para problemas de controle no esfíncter cervical e anal, além de melhorar funções do movimento. Isso resultou em um boom mundial de terapias contra os tremores do mal de Parkinson. A terapia permitiu que o sistema nervoso pudesse ser objeto de observação a partir dos anos 1980, e a neurologia, especialmente, ganhou outra dimensão.
Manoel Jacobsen, coordenador do Núcleo Avançado de Dor e Distúrbios do Movimento do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo
Fonte: Correio Braziliense