quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O caso da personagem Luciana da novela “Viver a Vida” –

Por Fabiano Puhlmann Di Girolamo

A personagem Luciana, da novela Viver a Vida, da Rede Globo, interpretada pela atriz Aline Moraes, tem de lidar com a tetraplegia após um acidente de carro, trazendo para o horário nobre da televisão o tema da Inclusão da Pessoa com Deficiência.

Toda pessoa que tem uma incapacidade física ou problemas variados de locomoção e sensibilidade, em decorrência de um acidente ou trauma, é genericamente chamada de pessoa com deficiência física e deve buscar o maior grau possível de autonomia em todas as atividades que realiza. Elevados graus de dependência física somente são tolerados no período de internação hospitalar.

No caso da personagem Luciana, ela teve uma lesão medular na altura da quinta vértebra cervical, que comprimia o canal medular, comprometendo o movimento e a sensibilidade dos quatro membros.

No momento em que escrevo este artigo, ela já foi operada para estabilizar a coluna e desobstruir o canal cervical, porém, a região da medula está muito inchada.

Nesta fase, ela vai funcionar como tetraplégica e, até que o edema diminua, nenhum exame pode afirmar como de fato ficará sua medula e, consequentemente, como ficarão sua sensibilidade, seus movimentos e seu grau de autonomia nas AVDS e AVPS (Atividades da vida diária e prática como higiene, alimentação, vestuário, etc. ).

Estas incógnitas levam a pessoa a altos graus de ansiedade e frustração, com estados variados de agressividade e depressão. Não é nada fácil ansiar por respostas que ninguém tem.

Na fase hospitalar, logo após uma lesão medular cervical (fratura de pescoço) a pessoa mergulha em um período muito turbulento de dor, sofrimento e frustração.

A bexiga e o intestino têm de ser estimulados a funcionar, a pessoa pode experimentar crises hipertensivas, infecções , desconforto, dor intensa na região da fratura, dificuldade de respirar, pesadelos vÍvidos alternados por episódios de insônia e uma sensação de estranheza em relação ao corpo.

Luciana é uma modelo. Vai ser uma experiência difícil ver seu tônus muscular desaparecer, suas unhas ficarem quebradiças, sua pele ficar seca e junto com tudo isto não conseguir se mexer sozinha. Esta fase é um verdadeiro teste de resistência para a pessoa e sua família .

Ainda não chegou a hora de fazer o luto, o indivíduo ainda não sabe o que perdeu e o que pode recuperar. A melhor forma de lidar com esta fase é tentar manter o corpo e a mente saudáveis através da reabilitação. A pessoa não pode ficar parada, deve fazer fisioterapia respiratória, cinesiologia e alongamento conduzido, terapia ocupacional para trabalhar o controle de tronco e readquirir habilidade para autonomia na higiene, alimentação e vestuário.

O tônus muscular pode se mantido, por exemplo, com o uso frequente do FES (estimulação elétrica funcional), aparelho que estimula os músculos a se contraírem, mantendo a tonicidade, por meio de impulsos elétricos.

Há também o tratamento com técnicas do biofeedback (usado por fisioterapeutas e psicólogos para a pessoa reaprender a controlar movimentos e restabelecer o contato profundo com o corpo via sistema nervoso central e autônomo).

A terapia no meio liquido, mais conhecida como hidroterapia, além de trabalhar o corpo inteiro, irá potencializar a recuperação, trazendo ganhos emocionais devido à capacidade de relaxamento que a água quente propicia.

É muito comum que a pessoa acidentada busque respostas na dimensão espiritual e religiosa. Esta procura por respostas e até por alívio emocional-espiritual pode até ser benéfica, desde que a pessoa se mantenha serena, confiante e com os pés no chão. Dependendo da vontade e necessidade, a pessoa deve retomar sua rotina, estudar, trabalhar, passear, encontrar amigos.

Tudo será feito de forma gradual, usando de ajudas técnicas e apoios sempre que necessário. Ajudas técnicas ou tecnologia assistiva são compostas de recursos tecnológicos ou serviços que proporcionam ou ampliam habilidades funcionais de pessoas com deficiência, promovendo a equiparação de oportunidades. Englobam as áreas de higiene, vestuário, alimentação (por exemplo: barras de transferência para sanitários, adaptadores para utensílios domésticos).

Uma pessoa com deficiência sonha com a aquisição de autonomia e uma ajuda técnica pode aumentar sua autoestima e facilitar a convivência. Uma tábua de transferência, por exemplo, cria condições para a pessoa sair de casa, passar para a cama sozinho ou com pouca ajuda, fazer viagens .

Com o tempo e a autonomia conquistada depois de muita luta, valorizando suas pequenas e grandes aquisições, com muito apoio da família e da sociedade, a pessoa com deficiência física, como a personagem da novela, encara as limitações de modo positivo.

CADEIRA DE RODAS: PONTE PARA A AUTONOMIA

Como exemplo, podemos falar da cadeira de rodas. As pessoas, de modo geral, têm uma visão distorcida da cadeira de rodas. Quando olham uma pessoa na cadeira de rodas, pensam que a pessoa está presa, e não percebem que com a cadeira de rodas é que a pessoa adquire a liberdade de ir e vir, dada a sua importância para autonomia, liberdade e inclusão econômica e educacional da pessoa com deficiência .

Uma cadeira de rodas segue normas de ergonomia e prescrições terapêuticas unindo ciências da saúde e tecnologia da reabilitação. Quando as medidas estão corretas, melhora a postura, favorece os movimentos e evita dores e incômodos.

Estar bem sentado em uma cadeira de rodas favorece a autoestima, pois a pessoa com deficiência física expressa uma postura saudável e confortável.

Hoje as cadeiras de rodas podem ser coloridas, expressando melhor os sentimentos e escolhas das pessoas. Existem cadeiras tipicamente femininas, cadeiras infantis, cadeiras radicais e cadeiras para ocasiões formais.

Quando temos uma cadeira de rodas podemos sair, dançar, trabalhar, estudar. Quando não temos, restringimos nossos movimentos e, neste caso, estamos realmente presos, mesmo quando temos a condição de usar muletas, bengalas e andadores, ainda sim não conseguimos a liberdade que a velocidade das rodas proporcionam.

Com a cadeira de rodas nossas mãos estão livres para abraçar e cumprimentar. Mesmo quando não temos movimento nas mãos, temos a possibilidade de ser tocados e manipulados melhor em uma cadeira de rodas.

A cadeira de rodas é a ponte para autonomia, para quem precisa se transportar sobre 4 rodas, é a expressão da liberdade.

Conduzir uma cadeira de rodas, seja pelo aro de propulsão das rodas traseiras, seja pelas manoplas de uma bicicleta para cadeirantes, ou por um acionador automático, no caso das cadeiras motorizadas, é sempre uma experiência de expressão, movimento e vida independente.

Somente depois de muito lutar pela recuperação plena - no mínimo dois anos - a própria pessoa vai tendo noção de seus limites atuais, de suas sequelas definitivas, suas perdas irrecuperáveis e a necessidade de se despedir do passado, não se incomodando com os olhares de compaixão e piedade que muitas pessoas continuam a direcionar para ela.

Com o aprendizado diário do enfrentamento da vida, a pessoa com deficiência física percebe que o olhar das pessoas reflete o seu, que cada um de nós espelha no outro sua autoimagem: se estiver com pena de si próprio ,será tratado como um coitado, um perdedor um derrotado.

A superação contínua dos desafios diários cria uma aura de vencedor que cativa as pessoas, pois reflete uma pessoa com deficiência que conseguiu redefinir seus objetivos, sair às ruas para ir atrás de seus sonhos.

Para uma pessoa com deficiência física, como a personagem Luciana, possa ter melhor qualidade de vida ela terá que se dedicar à Reabilitação, inclusão profissional, educacional e afetivo- sexual.

Viver a Vida com intensidade, vontade e a certeza de que se está sempre progredindo e que as limitações físicas chegarão para todos, mais cedo ou mais tarde, na maturidade.

O importante é não deixar os sonhos engavetados e não desistir de se superar continuamente.

Fabiano Puhlmann Di Girolamo
Psicólogo formado pela Universidade São Marcos; Psicoterapeuta Junguiano pela EPPA ; Especialista em Psicologia Hospitalar da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da USP; Master em Integração de pessoas com Deficiência, pela Universidade de Salamanca, Espanha; Especialista em Reabilitação pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo; Especialista em Sexualidade Humana pelo Instituto H. Ellis e Instituto Kaplan; Coordenador do serviço de Psicologia da IBNL (Instituto Beneficente Nosso Lar); Educador Sexual pela Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana e Faculdade de Medicina do ABC; Membro do Corpo Docente do Curso de Pós-graduação da SBRASH e da Faculdade de Medicina do ABC; Consultor do Instituto Paradigma na área de Inclusão social da pessoa com deficiência; MBA em Gestão de Entidades do Terceiro Setor pelo GESC-USP

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