domingo, 20 de junho de 2010

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Derrubando barreiras: a história de João Vitor, bacharel em Educação Física

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Agradecemos a colaboração de Jô Bibas, autora do texto que publicamos hoje, em que conta a emocionante história de João Vitor,  jovem com síndrome de Down do Paraná e portador de um belo diploma em Educação Física.
JOÃO VITOR CHEGOU LÁ
*Josiane Mayr Bibas
João Vítor no dia da apresentação do seu TCC
João Vítor no dia da apresentação do seu TCC
 “Por favor, me explica o que é licenciatura?” A pergunta foi a segunda que fiz a João Vitor, no encontro que marca os 4 anos de nossa conversa no dia em passou no vestibular. A primeira tinha sido sobre o que estava sentindo ao se formar em Educação Física, pela Universidade Tuiuti do Paraná.
Pois é isso mesmo. Nosso amigo, que teve seus muito mais de 15 minutos de fama por ser um jovem com Síndrome de Down que ultrapassou a barreira da entrada em uma universidade, acaba de concluir o curso. Quando passou no vestibular, causou comoção geral. “Será difícil”, diziam os mais céticos. “Como faremos?” -  se perguntavam os professores.
Durante o tempo de faculdade, estudou muito. Admite que foi mesmo difícil, precisou de apoio e foi atrás. Com a ajuda dos pais, contemplados com elogios que transitam por termos como amigos, confidentes e grandes motivadores, foi buscar o apoio de professores que reforçavam as matérias nos contra-turnos. Quase uma dupla jornada universitária. Isso sem falar dos estágios nas mais diferentes áreas e modalidades, diferentes endereços e variados horários! Conversando com João Vitor, saímos com uma sensação muito clara: a de um rapaz que tem plena consciência de que tem um ritmo diferente de aprendizagem e não vê nenhum problema em encontrar formas de fortalecer seu conhecimento, mesmo que isso signifique estudar mais, se dedicar muito, fazer hora-extra na sala de anatomia e sacrificar férias e lazer por notas boas.
A inclusão não foi fácil. Natural, se pensarmos no pioneirismo de um jovem com SD no ensino superior. Alguns professores se adaptaram, outros permaneceram com um olhar de incredulidade que foi sendo derrubado aos poucos.  Precisou lidar com provas escritas, mesmo dizendo aos professores que com provas orais teria  mais chance de demonstrar seus conhecimentos, uma vez que sabe que se expressa melhor falando do que escrevendo. É por ter convivido e superado obstáculos como esse que João me diz: ”Me formei por mérito meu”. Quando pergunto se sofreu algum tipo de preconceito, deixa claro que muitas vezes sentiu que não acreditavam em suas capacidades. Pergunto, então, como lidava com essas situações, como reagia à discriminação. Sua resposta é uma lição: “Eu trato as pessoas como gostaria que elas me tratassem”.
João precisou travar suas batalhas, mas acabou mostrando que é competente. Beatriz L. Dorigo, coordenadora do curso de Educação Física da UTP, relata que João Vitor vem sendo um aluno responsável, disciplinado e consciente de seus limites. “Ele faz tudo o que pode e mais um pouco, ultrapassa as fronteiras e vai além do proposto”. Ela usa o verbo no tempo presente pois “ele  realizou o sonho de ser um Bacharel em Educação Física e já está matriculado na Licenciatura.  E logo estará fazendo uma pós-graduação na área”. Alguém duvida?.
           
Hoje, como bacharel em Educação Física, está apto a trabalhar em academias, clubes e como personal trainner. Confirma seu projeto da entrevista de 2005: “Quero trabalhar com pessoas com necessidades especiais. Quero formar atletas. Quero que elas evoluam com eu evoluí, socialmente, cognitivamente, através do esporte”. Não satisfeito, dispara: “Já vou começar a estudar para ter a Licenciatura. Quero poder dar aulas em escolas sobre a importância de exercício físico”. João Vitor acredita que manter-se ligado à universidade aumenta seu preparo e o mantém cognitivamente ocupado. Aprendendo sempre.
Nos últimos meses, esteve estagiando em uma academia, participando do treinamento de triatletas. O professor Cassio Salgueirosa foi percebendo potenciais no lugar onde imaginava haverem apenas deficiências. Cassio conta que sempre tratou João com o mesmo nível de exigência que teve com seus outros estagiários, obtendo como retorno um desempenho com a mesma (e às vezes até maior) competência dos colegas. Vê seu ex-estagiário como um exemplo que, consciente de sua dificuldade, está sempre provando que é capaz.  Me diz que “o que as pessoas com necessidades especiais precisam é de oportunidades”. Assim, ao assistir a apresentação do TCC de João, decidiu: o trabalho com João e, o mais importante, o trabalho DE João, fez com que Cassio criasse um novo projeto: os benefícios da corrida para pessoas com síndrome de Down. Por conta da idéia, João Vitor está treinando duas vezes por semana com o professor em um belo parque nas manhãs geladas de Curitiba, e se prepara para formar uma equipe de corredores com SD. Ou, como ele mesmo diz, de caminhadores a maratonistas, cada um do seu jeito, mas todos aprendendo que atividade física faz bem para o corpo, para o social, para o cognitivo. Como fez bem para o João.
Bonito ver o jovem desempenhando como palestrante, apresentando seu Trabalho de Conclusão de Curso, coberto por um belo terno azul-marinho e de uma segurança que impressionou e emocionou até os professores mais reticentes. O tema não podia ser outro: “A Influência da Atividade Física no Desenvolvimento Físico-Motor das Pessoas com Síndrome de Down: Visão Familiar”. O professor Eduardo M. Scheeren, seu orientador neste trabalho, ficou impressionado com a maturidade de João Vitor no conhecimento sobre sua síndrome e diz ter aprendido muito com ele. “A literatura ainda é muito limitada ao apresentar todo o potencial que uma pessoa com SD pode desenvolver, e isso pode conduzir a uma visão errônea de suas reais capacidades. Com o João pude ver que as barreiras impostas pelo contexto científico podem ser transpostas pela superação e força de vontade. Considero o João Vitor um exemplo da grande potencialidade de uma pessoa com SD”, afirma. E enfatiza, ao dizer que as qualidades de João Vitor estão além do aspecto cognitivo, pois, aluno exemplar, sempre cumpriu nos prazos suas tarefas, trabalhos e provas. Articulado, muitas vezes se destacou pela desenvoltura de sua oratória. “É um jovem extremamente educado que sempre soube me respeitar como pessoa e professor.”
Neste ponto, me permitam uma reflexão sobre o depoimento deste professor. A inclusão tem dessas coisas, faz a gente aprender que jovens como João Vitor, que inicialmente despertam tanta resistência, nos ajudam a resgatar velhos valores e a ver que eles podem ensinar coisas meio esquecidas por tantos estudantes de hoje: a educação,  o respeito mútuo, a disciplina. E acima de tudo, a superação.
E termino citando novamente o professor Eduardo que, por sua vez, citou Jean Cocteau: “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. João Vitor até sabia que seria difícil. Mas foi lá e se formou em Educação Física.
Mais uma vez, parabéns, João.
*Josiane Mayr Bibas é fonoaudióloga com experiência de mais de 22 anos no atendimento a crianças com Síndrome de Down. Juntamente com a também fonoaudióloga Ângela Marques Duarte, acaba de lançar em Curitiba o livro “Idéias de Estimulação para a Criança com Síndrome de Down”.

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