domingo, 28 de outubro de 2012

Ponto para a inclusão



Quando a escola não está preparada, o que deveria ser inclusão pode transformar-se em sofrimento adicional para a criança e o adolescente
Notícia publicada na edição de 27/10/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
educação inclusiva teve uma vitória na semana passada, quando a juíza da Vara da Infância e da Juventude de Votorantim, Karla Peregrino Sotilo, em julgamento de ação civil pública ajuizada em agosto do ano passado pelo Ministério Público (MP), condenou o governo municipal e a Fazenda Pública Estadual a contratar cuidadores e leitores de Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) para atender crianças e adolescentes com deficiências físicas e intelectuais, matriculadas em escolas públicas do Estado e do município.

O MP ajuizou a ação após pais de crianças e adolescentes com deficiências denunciarem que seus filhos não tinham acesso a educação com cuidados especiais. A Prefeitura e a Secretaria de Estado da Educação negam que existam estudantes sem o atendimento especializado necessário, mas a Justiça não pensa assim. Em sua sentença, a juíza Karla pondera que os responsáveis pelo ensino municipal e estadual já iniciaram as providências para a contratação de professor intérprete de libras e cuidadores. "Contudo", observa, "tais procedimentos ainda não foram finalizados. O ensino público não conta com cuidadores e as escolas onde há profissional de libras ainda sofrem com os revezamentos, uma vez que o número contratado não é suficiente para atender a demanda."

Trata-se de sentença de primeira instância e, portanto, passível de recurso. Mesmo assim, constitui-se num marco da afirmação dos direitos das pessoas com deficiência, com potencial jurídico para prosperar nas instâncias superiores e tornar-se um exemplo para outros municípios, já que as dificuldades apontadas pelo MP não são uma exclusividade de Votorantim. Crianças com deficiências têm direito a educação especial, que deve ocorrer preferencialmente em estabelecimentos regulares de ensino. Mas não basta matriculá-las na escola para garantir que serão incluídas. É preciso que as escolas estejam preparadas para acolher a diversidade dos alunos e integrá-los num projeto verdadeiramente inclusivo. Quando a escola não está preparada, o que deveria ser inclusão pode transformar-se em sofrimento adicional para a criança ou adolescente com dificuldades físicas ou mentais.

Era o caso de dois adolescentes, citados na ação civil pública, que não encontraram na rede de ensino de Votorantim a atenção especializada de que necessitavam, terminando por ser transferidos para escolas de outras cidades. É o caso, igualmente, de estudantes sorocabanos que vão à escola mas não conseguem vencer a barreira da comunicação, por falta de professores intérpretes de Libras, como demonstrou este jornal em setembro ("Sorocaba não cumpre lei de comunicação com os surdos", 30/9, págs. E2 e E3). "Meu filho era um número a mais na escola", desabafou a mãe de um jovem com deficiência auditiva em entrevista a Daniela Jacinto.

Em 2010, dos 2,5 milhões de brasileiros com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento, na faixa dos 4 aos 17 anos, apenas 37% estavam matriculados em escolas regulares públicas ou particulares, segundo dados do IBGE cruzados com o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Os dados não informam, porém, do universo dos matriculados, quantos recebem efetivamente educação inclusiva.

A pressão da sociedade, por meio do Ministério Público, pode apressar uma solução que, a depender do passo de tartaruga das autoridades, talvez não fosse estendida a todos nem mesmo dentro de 10 ou 20 anos. Está de parabéns a Justiça de Votorantim pela sentença dura e sensível que colocou as autoridades municipais e estaduais frente a frente com sua responsabilidade. Há casos que não podem esperar pela boa vontade dos homens públicos. E este, certamente, é um deles.

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