"A maior deficiência não está no corpo do deficiente físico, mas, na alma do preconceituoso." - blog de Céu
O cego e o caçador
O cego e o caçador
África Ocidental
Hugh Lupton
Do livro Histórias de Sabedoria e Encantamento
Era uma vez um homem cego que morava numa palhoça, com sua irmã,
numa aldeia na orla da Floresta.
Esse homem era muito inteligente. Apesar de seus olhos não
enxergarem nada, ele parecia saber mais sobre o mundo
do que as pessoas cujos olhos viam tudo.
Costumava sentar-se à porta de sua palhoça e conversar com quem passava.
Quando alguém tinha problemas, perguntava-lhe o
que fazer e ele sempre dava um bom conselho.
Quando alguém queria saber alguma coisa, ele dizia, e suas
respostas eram sempre corretas.
As pessoas balançavam a cabeça, admiradas:
- Como é que você consegue saber tanta coisa, sem enxergar? E o
cego sorria, dizendo:
- É que eu enxergo com os ouvidos.
Bem, um dia a irmã do cego se apaixonou. Ela se apaixonou por um
caçador de outra aldeia. E logo o caçador se casou
com a irmã do cego.
Depois da festa de casamento, o caçador foi morar na palhoça, com a
esposa.
Mas o caçador não tinha paciência com o irmão da mulher, não Tinha
nenhuma paciência com o cego.
- Para que serve um homem cego? - ele dizia.
E a mulher respondia:
- Ora, marido, ele sabe mais coisas do mundo do que as pessoas que
enxergam.
O caçador ria:
- Ha, ha, ha, o que pode saber um cego, que vive na escuridão? Ha,
ha, ha...
Todos os dias, o caçador ia para a floresta com seus alçapões,
lanças e flechas. E todas as tardes, quando o caçador
voltava à aldeia, o cego dizia:
- Por favor, amanhã deixe-me ir com você caçar na floresta.
Mas o caçador balançava a cabeça:
- Para que serve um homem cego?
Dias, semanas e meses se passavam, e todas as tardes o homem cego
pedia:
- Por favor, amanhã deixe-me caçar também. E todas as tardes o
caçador dizia que não.
Uma tarde, porém, o caçador chegou de bom humor. Tinha trazido
para casa uma bela caça, uma gazela bem gorda.
Sua mulher temperou e assou a carne e, quando
eles acabaram de comer, o caçador disse ao homem cego:
- Pois bem, amanhã você vai caçar comigo.
Assim, na manhã seguinte os dois foram juntos para a floresta, o
caçador carregando seus alçapões, lanças e flechas,
e conduzindo o cego pela mão, por entre
as árvores. Andaram horas e horas.
Então, de repente, o cego parou e puxou a mão do caçador:
- Psss, um leão!
O caçador olhou ao redor e não viu nada.
- É um leão, sim, mas está tudo bem. Ele não está faminto e está
dormindo profundamente. Não vai nos fazer mal.
Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um leão dormindo a
sono solto, debaixo de uma árvore.
Depois que passaram pelo animal, o caçador perguntou:
- Como você sabia do leão?
- É que eu enxergo com os ouvidos.
Andaram por mais quatro horas, e então o cego puxou de novo a mão
do caçador:
- Psss, um elefante!
O caçador olhou ao redor e não viu nada.
- É um elefante, sim, mas tudo bem. Ele está dentro de uma
poça d'água e não vai nos fazer mal.
Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um elefante imenso,
chapinhando numa poça d'água, esguichando lama
nas próprias costas.
Depois que passaram pelo animal, o caçador perguntou:
- Como você sabia do elefante?
- É que eu enxergo com os ouvidos.
Continuaram seu caminho, se aprofundando cada vez mais na floresta,
até chegarem a uma clareira. O caçador disse:
- Vamos deixar nossos alçapões aqui.
O caçador armou um alçapão e ensinou o cego a armar o outro. Quando
os dois alçapões estavam armados, o caçador
disse:
- Amanhã vamos voltar para ver o que pegamos. E os dois
voltaram juntos para a aldeia.
Na manhã seguinte, acordaram cedo. Mais uma vez, foram andando pela
floresta. O caçador se ofereceu para segurar
a mão do cego, mas o cego disse:
- Não, agora já conheço o caminho.
Dessa vez, o homem cego foi andando na frente. Não tropeçou em
nenhuma raiz nem toco de árvore. Não errou o caminho
nem uma vez.
Andaram, andaram, até chegarem à clareira em que tinham armado os
alçapões.
De longe, o caçador viu que havia um pássaro preso em cada alçapão.
De longe, viu que o pássaro preso em seu alçapão
era pequeno e cinzento e que o pássaro
preso no alçapão do cego era lindo, com penas verdes, vermelhas e douradas.
- Sente-se ali - ele disse. - Cada um de nós apanhou um
pássaro. Vou tirá-los dos alçapões.
O cego sentou-se e o caçador foi até os alçapões, pensando:
- Um homem que não enxerga nunca vai perceber a diferença.
E o que foi que ele fez? Deu ao cego o pequeno pássaro cinzento e
ficou com o lindo pássaro de penas verdes, vermelhas
e douradas.
O cego pegou o pássaro cinzento nas mãos, levantou-se e os dois
rumaram de volta para casa.
Andaram, andaram, e a certa altura o caçador disse:
- Já que você é tão inteligente e enxerga com os ouvidos,
responda uma coisa: por que há tanta desavença,
ódio e guerra neste mundo?
O cego respondeu:
- Porque este mundo está cheio de gente como você, que pega o que
não é seu.
O caçador se encheu de vergonha. Pegou o pássaro cinzento da mão do
cego e deu-lhe o pássaro lindo, de penas verdes,
vermelhas e douradas.
- Desculpe - ele disse.
Os dois continuaram andando, e a certa altura o caçador disse:
- Já que você é tão inteligente e enxerga com os ouvidos,
responda uma coisa: por que há tanto amor, bondade
e conciliação neste mundo?
O cego respondeu:
- Porque este mundo está cheio de gente como você, que
aprende com seus próprios erros.
Os dois continuaram andando, até chegarem à aldeia.
E, a partir daquele dia, quando alguém perguntava ao cego:
- Como é que você consegue saber tanta coisa, sem enxergar?, era o
caçador que respondia:
- É que ele enxerga com os ouvidos... e ouve com o coração.