Sou uma atleta para-olímpica e não um número
Sou uma atleta para-olímpica e não um número
Ela arremessa, ela balança, ela marca...
Kate Ansell http://www.bbc.co.uk/ouch/news/De repente, aquilo tudo não parecia mais uma boa idéia. De pé, numa quadra de basquete, olhando para uma cadeira de rodas ergonômica laranja e alguém me sugerindo que sentasse.
Não que eu tenha algo contra cadeira de rodas, claro. Apesar de mancar ser o meu modo de andar natural, não me importo de usar cadeira de rodas. Já fiz isso outras vezes. Faria de novo. Gosto das cadeiras. Aumentam a mobilidade. Mas hoje tenho dúvidas, não é uma brincadeira, é uma competição. É isso, estou aqui para me tornar um número.
Estou descobrindo o que faz uma pessoa com deficiência querer se tornar um atleta e tomar parte no processo de classificação - determinar o quanto é deficiente, de maneira a poder competir em esportes contra pessoas que têm um nível igual de deficiência.
Eu sabia que o processo poderia ser muito invasivo. Tinha pesquisado os manuais sobre o assunto do Comitê Internacional Paraolímpico. Eu li sobre os testes do banco e status funcional. Já vi diagramas dos movimentos que os atletas têm de fazer para calcular a classe. Que diagramas! Deve doer.
Agora, Kenny McKay, um jogador de basquete em cadeira de rodas veterano que classifica atletas de nível internacional se ofereceu para me preparar. Estou assustada.
Estou num ginásio de Essex (Inglaterra). Não é o meu habitat natural. Pra todo o lugar que olho, tem gente sarada, malhada, correndo em rodas a 100 km por hora em cadeiras de rodas brilhantes. Tem o barulho das batidas do metal no metal. Tem muito suor e tem os berros. Todo mundo é muito amigo, mas estão todos muito sérios: é um treino de basquete em cadeira de rodas.
Quando estou chegando, alguém me diz que o colega da equipe não vai poder comparecer de noite porque arrebentou o joelho no último treino. Caramba!
Não faço o gênero esportivo... e machucados do esporte não me atraem. O fato: nunca passou pela minha cabeça que a elite atlética fosse uma opção razoável de carreira. Eu tenho Paralisia Cerebral. Eu estudei em escola comum. Quando meus colegas tinham Educação Física, eu fazia Fisioterapia ou ia pra biblioteca e lia.
Esportes para deficientes sempre pareceu um conceito estranho. Primeira definição, a característica de ser espasmódico: mobilidade reduzida. Segundo: falta de velocidade. Assim, eu nunca consegui entender muito bem porque dois espasmódicos teriam interesse em concorrer entre si. Definitivamente é como uma orquestra para pessoas que não são boas para tocar instrumentos. Além do mais, competitividade física é para os Normais. Para mim, assisistir os Jogos Olímpicos é olhar uma prova de quão-perfeito-de-corpo-você-é.
Venho expondo essa opinião por muitos anos, em vários níveis de desprezo. Meus amigos acham que eu apenas não gosto de esporte e faço disso uma retórica pretensiosa de deficiência. Você nunca experimentou, como pode saber?, eles dizem.
E foi assim que eu me vi numa quadra de basquete, olhando para uma cadeira de rodas, me sentindo completamente sem jeito. Todo mundo que compete em esporte para deficientes tem de passar pelo processo de classificação. Os atletas são organizados pelo tipo e pela gravidade da deficiência. O quanto isso influencia depende do esporte.
No basquete em cadeira de rodas, os jogadores têm uma classificação que varia de 1 a 4,5 (o mais alto), com coisas como equilíbrio e coordenação também sendo levadas em conta. Nenhum time pode ter mais de 14 pontos na quadra ao mesmo tempo.
Um dos motivos do meu cinismo a esse respeito é porque parece um pouco médico e nós - pessoas com deficiência - detestamos ser definidos pela nossa incapacidade e pelo que está errado conosco. Normalmente é o meu terapeuta que fala comigo usando termos como funcionalidade e extensão de movimento, e isso aparece assim que se começa a discutir a classificação. Kenny me garante: É um esporte. Um jogador é um jogador. Não queremos fazer testes médicos. O que interessa é o jogo na quadra.
Dessa forma, a classificação de basquete procura especificamente a destreza necessária para o jogo. Kenny me mostra como ele me classificaria. Eu sento na cadeira - e que cadeira! Dou uma volta. Você pode movimentá-la com os quadris. É o máximo!
Então Kenny começa a jogar bolas para mim dos mais diferentes ângulos para testar minha mobilidade, meu equilíbrio e tudo o mais. Por exemplo, se você consegue virar sua cabeça para olhar para trás, é uma habilidade importante na quadra, a nota de classificação é maior. Eu posso.
Basquetebol é um pouco fora do padrão mais médico da visão de classificação. Foi uma tomada de decisão consciente de se afastar dos aspectos médicos do processo, por isso é relativamente indolor.
Mas já li manuais sobre outros esportes. Especialmente natação. Eu sei nadar. É o único esporte que eu pratico voluntariamente. O manual do Comitê Paraolímpico de sistema de classificação tem diagramas nos quais eu me perco. Eles não testam pessoas que não sejam atletas como eu, assim chamei Nyree Lewis, uma campeã de natação de 26 anos que tem uma paralisia cerebral similar e perguntei como era.Ela me diz que alguns testes são diretos, mas com momentos ridículos.
Os classificadores pediram que ela levantasse a perna esquerda. Quando ela estava começando a levantar, disseram "não, essa é sua perna direita", e eu respondi: mas eu tenho de levantar minha perna esquerda para levantar minha perna direita! Sei como é isso, mover uma parte do corpo e a outra fazer alguma coisa totalmente diferente. O tipo de momento íntimo que normalmente partilho com namorado, mãe ou médico - mas não com estranhos. Nyree não parece se importar - mas por outro lado, ela é uma atleta e deve estar acostumada a ser mexida de um lado pro outro.
O que me deixou assustada é testarem o ponto de falta de coordenação, como disse a Nyree. Basicamente com os braços pra fora, abrir e fechar as mãos. Eles ficam dizendo "mais rápido, mais rápido" até que eventualmente suas mãos fiquem abanando, explica Nyree.
Parece uma inimaginável sessão indigna de fisioterapia - nada que pudesse me atrair. Mas Nyree é apaixonada pelo esporte e não se abateu com isso. Eu sabia que todos passavam por isso. E ela jura que não é tão horrível quanto parece.
Depois fazem uma bateria de testes similar dentro da água e, claro, observam os atletas competindo na água.
Nyree vai competir em Manchester no Torneio Mundial Paraolímpico essa semana e eu vou olhar o progresso dela, mas não vou me aventurar na água. Acho que basquete faz mais o meu estilo e não é apenas pela cadeira incrível.
Apesar da classificação de basquete ser relativamente amigável, descubro que existem várias controvérsias e que as pessoas discutem as classificações. Alguns acham que a classificação não vale, argumentando que são mais deficientes do que o registrado. E existem outros que ficam desapontados quando a classificação aponta uma deficiência maior do que achavam que tinham. É como um choque para alguns.
E tem a questão das deficiências progressivas, como quando um jogador canadense teve de mudar a classificação no Torneio Mundial. Foi terrível, disse o Kenny, tem de se administrar tudo isso de maneira justa e que se perceba justa.Jogadores disputam a clasificação uns dos outros, em geral porque acham que o outro é menos deficiente do que é. Eles vêem alguém com uma classificação menor e pensam: "mas ela anda". Avaliam pela própria experiência, para um paraplégico ver alguém que pode andar..., eles não percebem que as costas do outro doem. É muito complexo e pessoal. Um jogador mais experiente entende isso.
E então ele joga umas bolas para mim. Deixo cair a maior parte delas. Dou uma volta com a cadeira e fico apaixonada por ela. Sou mais rápida na cadeira do que jamais fui na vida.
O Kenny tenta ver quanto eu consigo me abaixar - não vou até o fim. Provavelmente porque como doughnuts demais, e não pela natureza trágica da espasmocidade. Um pouco de treino resolve isso, ele fala. Tá certo. Claro que resolve. Então o momento da verdade. Hora dos resultados: você está perto de uma classe 4. É difícil julgar um PC porque nossa coordenação e percepção podem ser tão instáveis, e isso interfere na quadra. Tinha de ser observada em quadra antes do Kenny tomar sua decisão final. Dessa forma ele me chama mais uma vez.
Eu podia ficar tentada, sabe. Meu coração está amolecendo em relação ao esporte para pessoas com deficiência, nem que seja porque quero ficar mais tempo naquelas cadeiras. E então eu olho e vejo uma das atletas batendo e caindo por cima da cadeira. Estão todos rindo, mas eu fiquei com medo. Acho que vou continuar só assistindo por um tempo.
Blog do Prof de Ed. Física MSc SERGIO CASTRO,da Pós Graduação em Educação Especial e Tecnologia Assistiva da Universidade Cândido Mendes(AVM) ;Ex-professor da Universidade Estácio de Sá e Ex-Coordenador de Esportes para Pessoas com Deficiências (PcD) do Projeto RIO 2016 da SEEL RJ ,destinado a fornecer informações sobre pessoas com deficiência(PcD) e com Necessidades Educativas Especiais(PNEE), bem como a pessoas interessadas nesta área ( estudantes, pais, parentes, amigos e pesquisadores)
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